A prática de interposição fraudulenta e a denúncia penal por descaminho
No conceito de interposição fraudulenta, o significado de “interpor”, verbo transitivo, é “pôr entre”. Já a fraude representa todo artifício empregado com o fim de enganar uma pessoa e causar-lhe prejuízo. Destarte, tomando como base o simples significado das palavras, é possível concluir que interposição fraudulenta é situação fática em que determinado ente fica numa posição de “intermediário” (importador ostensivo [1]), com o objetivo de esconder outro agente (importador de fato ou encomendante predeterminado [2]), causando prejuízo ao erário ou dificultando os controles administrativos das Aduanas. A interposição fraudulenta pode ser presumida ou real.A hipótese de interposição fraudulenta presumida é observada nos casos em que o importador ostensivo não prova a origem dos recursos empregados em operações de comércio exterior. Nesta situação, é licito [3] ao agente fiscal presumir a existência de um sujeito oculto que supostamente financiaria a importação e que ao final seria o destinatário dos bens importados. A segunda hipótese é aquela em que o agente fiscal detecta o real beneficiário da importação, seja por vinculação de créditos em conta corrente para arcar com a operação internacional, seja pelo fato da mercadoria ter sido adquirida para atender a encomendante predeterminado. Também é usual detectar o real beneficiário (ou importador de fato) quando constatado que o importador ostensivo não possui conhecimento acerca da negociação internacional, demonstrando que os contatos foram feitos por terceiro (o sujeito oculto), inclusive no que diz respeito a preço, prazo e forma de pagamento, mas os recursos eram próprios. Nesta hipótese, tem-se que o importador ostensivo atuou como mero prestador de serviços, cedendo seu nome. Cabe destacar que a importação para encomendante predeterminado não é ato ilícito, desde que realizada dentro dos parâmetros legais estabelecidos pela Receita Federal, nos termos da IN/SRF nº 634/2006. Na importação por encomenda, o encomendante, que deve ser declarado previamente ao fisco, assume a condição de responsável solidário em relação ao imposto, consoante previsão legal insculpida pelo artigo 32, p. único, “d” do DL nº 37/66[4]. Impende salientar, por relevante, que o artigo 13 da Lei nº 11.281/2006 [5] equiparou o encomendante à situação de estabelecimento industrial. Destarte, nos termos do RIPI, em razão da equiparação à industrial, fica o encomendante obrigado ao pagamento do IPI na saída dos produtos importados. Art. 24. São obrigados ao pagamento do imposto como contribuinte: III – o estabelecimento equiparado a industrial, quanto ao fato gerador relativo aos produtos que dele saírem, bem como quanto aos demais fatos geradores decorrentes de atos que praticar (Lei nº 4.502, de 1964, art. 35, inciso I, alínea “a”); e Este, em síntese, o grande e teórico prejuízo advindo da prática de interposição fraudulenta: quebra da cadeia de IPI. E assim, considerando o artifício fraudulento para iludir o recolhimento de tributos, nasce, segundo tese fiscal recorrente, a possibilidade do fato ser caracterizado como descaminho, nos termos do art. 334 CP. II – O não recolhimento do IPI Tem-se que entre as obrigações principais iludidas através do cometimento da interposição fraudulenta, encontra-se o recolhimento do imposto sobre produto industrializado – IPI. O IPI, por ordenamento constitucional, é um tributo de incidência não-cumulativa, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores (CF/88, art. 153, p. 3º, inc. II). De acordo com a norma vigente, o importador equipara-se a estabelecimento industrial, sujeitando-se ao recolhimento do IPI por ocasião do desembaraço aduaneiro da mercadoria. O importador indireto, que se traduz nas figuras do encomendante e do adquirente por conta e ordem, também se equiparam a estabelecimento industrial, sujeitando-se ao recolhimento do IPI por ocasião da revenda das mercadorias (importada por outro, porém por sua conta ou sob sua encomenda). Em suma, essa equiparação do adquirente por conta e ordem e do encomendante a estabelecimento industrial, resulta no enquadramento destes como contribuinte do IPI. Em conseqüência, a saída da mercadoria de seu estabelecimento (revenda da mercadoria importada), sujeita-se ao recolhimento desse imposto. Portanto, nas hipóteses de interposição fraudulenta, em que o encomendante ou o adquirente fica oculto, não se apresentando à fiscalização, estará, simuladamente, afastada a condição de contribuinte do IPI. Assim, repita-se, segundo tese fiscal, surge o tipo penal previsto no artigo 334, aquele que reprime as atuações ilícitas cujo objetivo seja iludir o pagamento de tributos. Art. 334 Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. Com base nesse raciocínio é que os agentes fiscais lavram autos de perdimento em razão da prática de interposição fraudulenta e, em paralelo, representação para fins penais pelo suposto descaminho. III – O descaminho proveniente do cometimento de interposição fraudulenta. Diante do que até agora se falou, evidencia-se que o tributo iludido em razão do cometimento de interposição fraudulenta, sem que esteja agregado o subfaturamento, é apenas o IPI. Assim, preliminarmente, cabe buscar o conceito de descaminho, haja vista ser fundamental para confirmar se o não recolhimento de IPI, em casos de interposição fraudulenta, amolda-se a esse tipo penal. Tomemos como base o conceito adotado por Pedro Decomain, que se coaduna com os de Damásio de Jesus e Fernando Capez, no qual descaminho é a conduta que “consiste no ingresso de mercadoria no território nacional ou na saída de mercadorias dele, iludindo-se, no dizer do artigo, total ou parcialmente, o pagamento dos tributos que sobre este fato possam incidir”[6]. Destarte, vê-se, segundo doutrina, que o descaminho é ilícito cometido na entrada ou saída de mercadorias em comércio exterior. Pois bem, é cediço que o Registro da Declaração de Importação é o momento em que, por determinação legal, o importador recolhe os tributos incidentes na operação internacional. Esta é uma determinação prevista na IN/SRF nº 680/2006 [7]. Ora, se o suposto importador ostensivo recolhe os tributos inerentes à importação no ato de registro da mercadoria (DI) e se inexiste alegação de subfaturamento, restaria, então, apenas o recolhimento (ou ausência) de tributos internos, não caracterizador de descaminho. Assim, em flagrante distorção da norma legal, o fisco entende que o fato gerador do IPI, para os casos de interposição fraudulenta