Transporte de carga em questão
Temos dito sempre, em nossas aulas, que o transporte e a logística brasileira deixam muito a desejar. Que nossa matriz de transportes é muito ruim, das piores do mundo, o que é comprovado por estudos internacionais. É baseada no transporte rodoviário, com cerca de 60% da carga. A culpa, obviamente, não é desse maravilhoso modo de transporte. Se tivéssemos que deixar na Terra apenas um modo, seria este, pois é o que tem maior capacidade de buscar a carga na origem e entregá-la no destino. Nenhum outro modo de transporte tem essa competência. Nunca vimos, por exemplo, um navio indo buscar a carga na origem ou distribuindo-a por bares e restaurantes. O avião tampouco, e nem o trem. Este , em raras ocasiões, até pode realizar a tarefa de coletar a carga na origem e entregar no destino final. Mas todos os modos precisam do caminhão para servi-los. Então qual o problema com ele e se critica tanto o transporte rodoviário? O problema não está nele em si, mas em nós, os usuários. Fazemos tudo por meio dele, que é, sabidamente, o transporte mais caro que há, até mais que o aéreo. O transporte rodoviário é o equipamento, por natureza, para distribuição de cargas, para pequenos trajetos e para auxiliar os demais modos. O ideal, no caso de cargas para além de 400 ou 500 quilômetros, é o transporte ferroviário ou o hidroviário – seja o fluvial, por vias interiores, seja a cabotagem, na costa brasileira, que é das maiores do mundo. É um modo em que o transporte rodoviário não faz tudo sozinho, mas age como parte do todo e auxiliar dos demais, ou seja, fazendo logística e não meramente transporte. Nesta situação, com certeza, os transportadores teriam mais ganho. Todos sabem que quanto menor o trajeto, maior o custo relativo do transporte. É só comparar fretes de transporte de carga de Santos a São Paulo com os fretes de São Paulo a Manaus, Porto Velho, Belém etc. E com veículos preservados – pois ninguém desconhece a lastimável situação das nossas estradas. Estas não condizem, considerando sua extensão, com o tamanho e potencialidade do País. Estamos atrás de diversos países, bem menores do que o nosso, em que as vias pavimentadas representam apenas 12% da malha rodoviária. Nosso quadro é trágico, pois eleva o consumo de combustível e o desgaste de peças em geral, gerando manutenção desnecessária e contínua, impactando os custos de transporte. O Brasil tem de se conscientizar que é necessário mudar a matriz de transportes, bem mais rapidamente do que temos feito nas últimas duas décadas, a partir da abertura econômica de 1990. Precisamos reduzir o transporte rodoviário para 25/30%, no máximo,e usar os demais modos. Para isso, é fundamental darmos atenção aos terminais intermodais, em que interagem os vários meios de transporte e a carga é levada por determinado modo àquele ponto, sendo então transferida para outro(s) modo(s). Aí se poderia praticar a Intermodalidade e a multimodalidade tão em falta no País, de forma adequada – embora entendamos, há algum tempo, que esta última, apesar da lei de 1998 e a regulamentação de 2000, seja natimorta. Com isso, faríamos com que a unimodalidade seja reduzida ao limite máximo de metade do que representa hoje. Ou seja, em futuro não muito distante, não mais do que um quarto da carga transportada pelas estradas brasileiras. O custo logístico seria bastante amenizado. Praticamente não temos esses modos atualmente, enquanto nos EUA eles existem às centenas. Teríamos a chance de reduzir a diferença entre os custos logísticos brasileiros e os norte-americanos, que, segundo se afirma, custam cerca de 20% do PIB no Brasil e cerca de 10% no grande irmão do norte. [epico_capture_sc id=”21731″] Parece, entretanto, que o que dá certo lá fora é execrado aqui. Nem sempre utilizamos o que já existe. Estamos sempre tentando reinventar a roda. Temos de entender que o que existe pode ser bom. É claro que sempre se pode e deve melhorar qualquer coisa, mas não podemos mais partir do princípio de que temos de criar tudo. Não funciona, como não tem funcionado. Brasil, Brasil, quando acordarás do seu sono eterno em berço esplêndido?
A irregularidade na cobrança do AFRMM sob a ótica do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT)
A instituição do AFRMM, praticamente eternizada desde a década de 50, está, de certa forma, intrincada com a política macroeconômica brasileira de apregoar melhorias no saldo do nosso balanço de pagamentos, tendo instaurado-se como instrumento de valorização do transporte marítimo de bandeira nacional, segundo a premissa de que, quanto maior a frota naval de um país, menores serão seus recursos consumidos com fretes e armadores estrangeiros. Muito embora não disponha de marinha mercante, visto que o comércio marítimo brasileiro ainda depende, em essência, do uso de navios estrangeiros, o referido tributo vem sendo cobrado desde então e com o estabelecimento da Lei 10.893/04, ganhou ainda mais força, revigorada com a publicação da MP Nº 545/11 que transferiu da Marinha Mercante para a RFB toda a responsabilidade pela matéria A cobrança do referido tributo onera de forma significativa as importações brasileiras, além de tornar alguns processos de desembaraço extremamente morosos ao passo que quando se realiza importações de países com os quais o Brasil mantém acordo comercial, há a possibilidade de se pleitear a sua isenção, o que faz com que alguns importadores acabem abrindo mão dessa isenção face à burocracia do processo. O estabelecimento da nova conjuntura mundial, que cria relações cada vez mais estreitas entre os atores internacionais, faz com que cada vez mais empresas se estabeleçam em outros países, que cada vez mais negócios sejam realizados ao redor do mundo. É a era da globalização que provoca a materialização das citadas relações, por meio de tratados internacionais, cujo objetivo é regular uma série de questões, inclusive as de natureza tributária. Segundo Francisco Rezek em sua obra: Direito Internacional Público, 2002 o tratado é todo acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinados a produzir efeitos jurídicos. Em complemento ao acima exposto, um dos mais importantes documentos sobre o Direito dos Tratados é a Convenção de Viena de 1969, que em seu Art. 2º estabelece que o tratado tem como princípio o livre consentimento entre as partes do Direito Internacional Diante do exposto, o objetivo desse artigo é resgatar o fato de que, o Brasil, na condição de país signatário do acordo geral sobre tarifas e comércio (GATT), acordou, juntamente com os demais membros, que asseguraria a transparência no caso de implementação dos direitos e obrigações derivados do parágrafo 1(b) do Artigo II, por meio da inclusão dos referidos direitos, nas listas de concessões anexadas ao GATT 94. Como se pode extrair da leitura do texto do parágrafo supramencionado: “Os produtos das Partes Contratantes, ao entrarem no território de outra Parte Contratante, ficarão isentos dos direitos aduaneiros ordinários que ultrapassarem os direitos fixados na Parte I da lista das concessões feitas por esta Parte Contratante, observados os termos, condições ou requisitos constantes da mesma lista. Esses produtos também ficarão isentos dos direitos ou encargos de qualquer natureza, exigidos por ocasião da importação ou que com a mesma se relacionem e que ultrapassem os direitos ou encargos em vigor na data do presente Acordo ou os que, como conseqüência direta e obrigatória da legislação vigente no país importador, na referida data, tenham de ser aplicados ulteriormente.” Quer dizer, se estarão isentos os direitos ou encargos de qualquer natureza relacionados com a importação que, por ventura não estejam relacionados na lista de concessões do acordo, e é sabido que a alíquota do AFRMM não está. Logo, tem-se por óbvio que há irregularidade na cobrança do tributo em questão. O processo legislativo que abarca a internalização de um tratado consiste em duas fases internacionais (assinatura e ratificação) e duas internas (o referendo do congresso nacional e a promulgação do decreto pelo presidente da república) vide Art. 84º, IV e 49º, I da Constituição Federal. Esse é o ato de natureza jurídica interna, instrumento que visa à publicidade do mesmo e pelo qual se permite ao tratado incorporar o Direito positivo brasileiro. Feitos esses apontamentos, ressalta-se que o Código Tributário Nacional (CTN), em seu Art. 98 dispõe que os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha. Portanto, considerando que a lei 10.893/04 que estabelece e dispõe sobre o AFRMM, trata-se de Lei Ordinária de Direito interno e institui a aplicação de um tributo que, de acordo com o conceito do parágrafo 1(b) do Art. II do GATT, deveria compor a lista de concessões do referido acordo para que fosse devidamente implementada, pode-se extrair dessa análise, o entendimento de que a norma interna estaria sobrepujando o tratado internacional sobre comércio e tarifas. A cobrança do AFRMM não é considerada irregular por ser inconstitucional como já fora abordado em outras discussões, até mesmo porque o STF já se posicionou a acerca dessa celeuma e a questão já está mais do que sacramentada. [epico_capture_sc id=”21731″] A argumentação aqui proposta tem por finalidade demonstrar que, seja o AFRMM ou fosse outra espécie tributária cobrada nas importações sem que tivesse sido devidamente acordada entre os países membros da OMC, a referida cobrança deveria ser considerada absolutamente indevida por configurar-se uma tarifação adicional e ferir o princípio da transparência e consistência na aplicação de medidas tarifárias ou não tarifárias, aplicadas na fronteira ou internamente. Também não é fruto dessa argumentação a idéia de que as empresas deveriam correr ao judiciário com o intuito de tentar reverter tal situação, o que muito provavelmente não iria ocorrer, trata-se sim de uma discussão sadia em prol da verdade, além de uma demonstração da forma como a transparência na aplicação dos tratados internacionais é tida em nosso país. Vale lembrar também que o Art. 27º da Convenção de Viena de 1969 deixa clara a impossibilidade dos Estados Partes utilizarem as leis internas de seus países como subterfúgio para evitar o cumprimento de um tratado internacional, ou seja, caso essa fosse uma primazia em nosso país, o AFRMM estaria suspenso até que fosse devidamente regularizada a sua situação perante as regras da Organização Mundial do Comércio.