Um círculo vicioso na cabotagem
Para atingir o equilíbro no uso dos principais modais da matriz de transportes brasileira, tanto a cabotagem quanto o transporte por ferrovia precisam absorver volume expressivo da carga transportada pelo país. A cabotagem de produtos conteinerizados evoluiu sobremaneira ao longo das últimas duas décadas e apesar disso temos nada mais que quatro operadores atuantes. Com o modelo mais moderno de construção de navios em estaleiro brasileiro, substituindo navios afretados ou menores e antigos. Há também quem importou e nacionalizou sua frota e ainda quem recuperou navios pequenos e antigos para dar o início a sua operação. Há tributação maior sobre o combustível, em comparação à navegação de longo curso e pouca diferenciação em tarifas portuárias além de elevado custo e escassez de mão de obra embarcada. Tudo isso compõe o desafio do lado da oferta. O outro lado da moeda, são os custos crescentes de transporte rodoviário, seja por restrição legal, relação de oferta e demanda ou ainda elevação de custos inerentes ao modal. Estabelecer a competitividade pela métrica de um percentual abaixo do preço do transporte rodoviário tem sido a fórmula usada pela cabotagem e também pela ferrovia. É este o modelo que vai levar o modal para seu lugar na contribuição para uma matriz de transporte competitiva? Do lado da indústria, que contrata o transporte nem sempre esta conta vai incentivá-la a mudar sua logística. Ela está amparada pelo meio de transporte que funciona há muito tempo: o rodoviário. Neste sentido, eventos de frustração da execução do serviço no novo modal, levantam mais questionamentos se vale a pena mudar. [epico_capture_sc id=”21683″] O embarcador não muda porque as condições de preço, prazo e serviço não estão ideais e o armador não faz ajustes porque o modelo não está gerando o retorno que o acionista almeja. A mudança, no entanto, é inevitável pelo simples fato de que a infraestrutura de logística brasileira não dará conta de continuar predominantemente rodoviarista. O quanto de dor precisa causar ao longo deste caminho, vai indicar o tempo necessário para a mudança. A intermodalidade, ou seja, a parceria entre os modais rodoviário, ferroviário e de cabotagem parece ser um caminho para aproveitar melhor as competências de cada setor para melhor atender ao cliente. Dessa forma esse último pode confiar que seu produto chegue no local de destino no tempo e condição adequados, com economia de custos e, com isso passe a ser um promotor de uma logística mais sustentável.
E a cabotagem?
Aproveitando que despertou para a necessidade de que o País precisa se tornar mais competitivo e, portanto, necessita desatar o nó logístico que impede o seu crescimento, o governo federal deveria também colocar na ordem do dia a questão da cabotagem. Como se sabe, embora conte com uma costa navegável de 7.500 quilômetros de extensão e mais de 30 portos e vários terminais privativos, o Brasil não tem sabido explorar de maneira rentável esse meio de transporte. Basta ver que hoje esse modal representa apenas 9,6% da matriz brasileira de transporte, número que é extremamente modesto se comparado com os 37% movimentados pela União Europeia e os 48% transportados pela China, segundo dados do Instituto de logística e Supply Chain (Ilos), do Rio de Janeiro. É verdade que, em outros tempos, quando as ligações por rodovia e ferrovia eram bem precárias, a cabotagem, na medida do possível, constituía o meio mais utilizado para o transporte de carga geral e a granel. Mas isso se deu há um século, antes do desenvolvimento do modal rodoviário e da chegada das indústrias automobilísticas. É certo que o desenvolvimento de um modal não teria necessariamente de significar o estrangulamento de outro, mas a verdade é que foi isso o que ocorreu no Brasil, levando de roldão também o modal ferroviário, com o conseqüente sucateamento da malha que, bem ou mal, unia regiões importantes do País, especialmente no Sudeste. Hoje, irremediavelmente, em função da incúria de governantes passados, não há outro remédio a não ser tratar de convencer a iniciativa privada a investir nesses dois modais. No caso da cabotagem, seriam necessárias medidas para incentivar a recuperação desse modal que, antes de tudo, é o que menos polui, dado relevante numa época como a nossa que é marcada por uma consciência ambiental que nunca existiu em outros tempos. Sem contar que a cabotagem é também o modal que registra os menores índices quanto ao risco de roubo e avaria de cargas. É claro que a cabotagem não oferece só vantagens a quem a utiliza. Fosse assim, seria muito mais utilizada. Uma pesquisa do Ilos mostrou que, entre os pontos desfavoráveis desse meio de transporte, estão a concentração de volumes em embarques únicos, a oferta insuficiente de escalas dos navios, o risco de aumento de estoques, o maior tempo de viagem e uma burocracia semelhante à do comércio exterior. Para o governo, este último obstáculo seria o de maior facilidade de remoção, pois não é admissível que uma mercadoria que não saiu do País seja vista da mesma forma como aquela que vem de fora. Isso foge à luz da razão. Obviamente, para que outros obstáculos sejam superados, seria necessário adotar uma política que combatesse diretamente os problemas de infraestrutura do modal. Essa política deveria incluir uma série de incentivos a investimentos na capacidade produtiva, na compra de navios novos e na melhoria das instalações portuárias. Além disso, há um entrave há muito apontado pelos armadores que é o alto custo do bunker, combustível utilizado para movimentar as embarcações. Com razão, os armadores pedem um tratamento tributário de combustíveis igual ao dispensado aos navios de longo curso. É claro que há outros obstáculos, como a escassez de mão de obra qualificada. Mesmo assim, é de assinalar que houve um crescimento médio de 8% nos últimos anos da carga de cabotagem em contêineres, segundo o Ilos. E que essa expansão vem se dando pela intensificação da utilização do contêiner pela indústria, resultado também da melhoria nas instalações portuárias. Em outras palavras: a cabotagem só precisa de um empurrão para que volte a ser um modal em franco desenvolvimento e de futuro promissor.