Aplicação do Código de Defesa do Consumidor no Transporte Marítimo

A aplicação do CDC – Código de Defesa do Consumidor ao transporte marítimo de cargas é uma questão muito polêmica, pois envolve grandes interesses. De um lado os exportadores, importadores e demais embarcadores, destinatários e seus seguradores. De outro os armadores e NVOCC’s que buscam a todo custo rechaçar a aplicação do CDC nas demandas, com receio da maior proteção jurídica que este Código daria aos usuários de seus serviços. Haveria maior proteção jurídica aos exportadores, importadores e demais embarcadores, destinatários e seus seguradores com a aplicação do CDC, pois seria possível a caracterização do contrato de transporte marítimo de cargas como um contrato de adesão, anulação de cláusulas abusivas que estabelecem excessivos benefícios e direitos ao transportador em detrimento do embarcador/destinatário e, ainda, a aplicação do instituto da inversão do ônus da prova. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 previu em seu artigo 5º, inciso XXXII, a defesa do consumidor entre as garantias e direitos fundamentais de todo e qualquer cidadão (cidadão aqui entendido como pessoa física ou jurídica, sujeito de direitos), e ainda no artigo 170, inciso V. No artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, expressamente determinou a edição do CDC. Assim, em cumprimento ao disposto no artigo 48 do ADCT, em 11.09.1990 foi editado o CDC, código este que regulamentou as relações de consumo em nosso país. Em uma relação de consumo em geral existem duas partes envolvidas, de um lado o consumidor e de outro o fornecedor de produtos ou serviços. A definição de consumidor encontra-se no artigo 2º do CDC e é “toda e qualquer pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Acrescenta ainda o parágrafo único do artigo que “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Por sua vez, a definição de fornecedor está no artigo 3º, e considera-se fornecedor “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Com relação à definição de serviço, o parágrafo segundo do artigo 3º assim dispõe: “Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. Como já ressaltado, tendo em vista que, dentre os vários tipos de contrato existentes em transporte marítimo, o contrato de transporte marítimo de cargas é o que mais demandas gera ao Poder Judiciário, o foco do presente trabalho será este tipo de contrato, até mesmo porque é em relação ao mesmo que maiores debates existem sobre a aplicação ou não do CDC. Diz-se isso, pois, relativamente ao transporte marítimo de pessoas (turismo), já está tranqüilo e sedimentado tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, o reconhecimento da aplicação das normas protetivas do CDC. De igual forma, no que se refere ao fretamento de embarcações, também está pacificado o entendimento de que não se aplicam as normas do CDC. Como se sabe, através do contrato de transporte marítimo de cargas, o transportador obriga-se, mediante remuneração, a transportar carga de um porto a outro. E, a atividade de transporte em geral, independentemente se terrestre, aéreo ou marítimo, é uma obrigação de resultado assumida pelo transportador, e enquadra-se perfeitamente no conceito de prestação de serviço do artigo 3º, § 2º, do CDC, o que atrairia a aplicação desta legislação. Neste sentido, assim leciona Carlos Roberto Gonçalves: “É fora de dúvida que o fornecimento de transporte em geral é atividade abrangida pelo Código de Defesa do Consumidor, por constituir modalidade de prestação de serviço. Aplica-se aos contratos de transporte em geral, desde que não contrarie as normas que disciplinam essa espécie de contrato no Código Civil (CC, art. 732).” (In Responsabilidade Civil, 8ª ed., Saraiva: São Paulo, 2003, p. 300) Com relação ao enquadramento do transportador como fornecedor, conforme conceito previsto no artigo 3º do CDC, não há maiores dificuldades, já que sua atividade no transporte é, sem dúvida, uma prestação de serviço. Logo, analisando o contrato de transporte marítimo de cargas exclusivamente sob o prisma da atividade de transporte em si e da figura do transportador, a conclusão mais lógica seria a da aplicação irrestrita das normas do CDC. Contudo, para a configuração de uma relação de consumo, há que se analisar ainda a figura do consumidor, destinatário do serviço, tarefa esta que não é nada simples, mas sim complexa e tortuosa. Ou seja, a grade dificuldade para o enquadramento de uma relação contratual como sendo uma relação de consumo, reside na correta compreensão do conceito de consumidor previsto no artigo 2º do CDC, e, principalmente, na interpretação do termo “destinatário final”. Analisando o teor do artigo 2º do CDC percebemos claramente que o conceito de consumidor ali proposto é um conceito meramente econômico. Já a finalidade da expressão “destinatário final” parece ter sido a de excluir relações entre partes que tivessem o objetivo de integrar a cadeia de produção. Sobre o conceito de consumidor, assim explica José Geraldo Brito Filomeno: “Consoante já salientado, o conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão-somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma ou outra atividade negocial.” (In Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 27). Sendo assim, num primeiro momento, poder-se-ia considerar enquadrados ao conceito de consumidor as pessoas, físicas e jurídicas, que se utilizam do serviço de transporte marítimo de cargas. Todavia, como nada no Direito é tão simples quanto possa parecer, a configuração de relação de consumo nos contratos de transporte marítimo de cargas vai depender da corrente interpretativa que venha

Avaria Grossa

O que é isto? É uma avaria grande? Por que estão cobrando quantia a mais, se eu já paguei o frete para transportar minha mercadoria? Tal pergunta, é frequentemente feita pelo consignatário da carga. Muitas pessoas imaginam que se trata de uma avaria grande, o que nem sempre é a realidade. No mundo, diariamente, trafegam nos mares cerca de 43.400 navios, de diversas espécies (petroleiros, de produtos químicos, graneleiros, porta contêineres, de turismo, etc). Eles, em 2006, transportaram por 30.000 bilhões de toneladas-milhas as riquezas dos países entre portos. São navios planejados, dotados de alta tecnologia, projetados para resistir a tempestades, mares fortes, muitas vezes com ondas atingindo até 15 metros de altura, capazes ainda de vencer ventos com velocidade superior a 110 quilômetros por hora. Acontece que, estes navios ao enfrentar os perigos do mar, por mais bem projetados que sejam, podem sofrer acidentes e vir a explodir, afundar, soçobrar, encalhar, abalroar, etc. Estatísticas feitas num período de 30 anos demonstram que a cada 53 horas um navio encontra-se em perigo necessitando socorro. Desde a antiguidade (antes de 400 Antes de Cristo) tem-se registros de acidentes nos mares, e a maneira de tratá-los, sob o ponto de vista jurídico, foi codificada na Lei de Rodes (Ilha do Mediterrâneo). Essa Lei determinou que: “Se, em uma tempestade, com a finalidade de tornar o navio transportando carga mais leve, uma mercadoria tiver que ser alijada ao mar para benefício de todos, aqueles que tiraram proveito deste alijamento, cujas cargas chegaram ao destino, deverão contribuir para tal sacrifício”. Esta lei marítima venceu os séculos e até hoje é usada. Porém, seus princípios sofreram ao longo do tempo uma série de modificações, paulatinamente, para adequar-se ao progresso e a realidade sócio-econômica de cada época, até chegarmos às Regras de York-Antuérpia (ano de 29 ao todo). Muitas vezes as pessoas não são alertadas para o significado do vocábulo Avaria Grossa (General Average, em inglês, Avarie Comune, em francês). Avaria Grossa se explica, de modo geral e simplificado, com um exemplo: Um navio em lastro está viajando, ou entrando em um porto. Se ele sofrer algum acidente, colidir com uma pedra, explodir um motor, ele avariará só o seu casco. Só existe um interesse: o navio. No entanto, se ele estiver com carga a bordo, com a obrigação de entregá-la, teremos dois interesses: Navio e Carga. No instante em que existe mais de um interesse a bordo, ou seja, navio e carga, tecnicamente, há uma aventura marítima comum. Porém, quando, devido a um acidente, toda aventura marítima está em risco de não se completar, existe um perigo a vencer. Para vencer este perigo, há necessidade de se tomar medidas extraordinárias, que custam dinheiro. Esses gastos, sacrifícios, se levarem a um final feliz, deverão ser divididos entre todos aqueles que participaram da aventura marítima comum, que terminou com sucesso. O remédio legal para este problema, como dito acima, existe desde a antiguidade, pode-se falar desde 400 A.C, tendo chegado aos nossos dias pelas Regras de York-Antuérpia. Nas Regras de York e Antuérpia, Regra A, lê-se: “Há um ato de avaria grossa, quando e somente quando, qualquer sacrifício ou despesa extraordinária é intencional é razoavelmente efetuado ou incorrido para a segurança comum, com o propósito de preservar do perigo a propriedade envolvida em uma aventura marítima comum.” Caso: Um petroleiro brasileiro, trazendo 271.177 Toneladas Métricas de óleo Basrah Light Crude Oil, da Arábia Saudita para o Porto de São Sebastião, às O3h45min da manhã, ao demandar tal porto, próximo ao farol e Ponta da Sela, encalhou. Cerca de 04h25min, embarcou o prático que tomou ciência do ocorrido. Foram chamados, inicialmente, dois rebocadores, que não conseguiram desencalhar o navio. Cerca das 09h00min, foram chamados mais dois rebocadores, agora em número de quatro, que também não conseguiram desencalhá-lo. Às 10h30min, foi chamado um quinto rebocador, muito possante que, juntamente, com os outros quatro, conseguiram desencalhar o navio, livrando-o dos perigos advindos do encalhe, possibilitando o navio a chegar ao destino – Porto de Sebastião, entregando a carga. Quando o navio encalhou, a aventura marítima (Navio e Carga) ficou em perigo de não se completar. Então, as despesas extraordinárias incorridas para safar o navio, para que ele pudesse chegar ao destino e entregar a carga, são despesas de Avaria Grossa. As despesas de Avaria Grossa deverão ser divididas entre todos os componentes da aventura marítima: navio e carga, proporcionalmente aos seus valores. No caso, os rebocadores e outras despesas atingiram US$ 36.800,00. O navio valia US$ 17 Milhões de dólares, a carga valia US$ 30 milhões. O navio pagou, através de seus seguradores, US$ 13.300,00 e a carga, também, através de seus seguradores, pagou US$23.500,00. [epico_capture_sc id=”21329″] Para aqueles que fazem seguro, os seguradores oferecerão as garantias necessárias e pagarão a sua parte na contribuição. No entanto, aqueles que não fizeram seguro desembolsarão do próprio bolso a sua parte da contribuição de carga, pois sua mercadoria chegou ao destino devido a uma medida extraordinária de alguém, que lutou contra o perigo que ameaçava a aventura marítima comum. O rateio das avarias é realizado, no documento Regulação de Avarias, elaborado por um Árbitro Regulador de Avarias Marítimas, profissional independente do Segurado e do Segurador. Importante: Os leitores que desejarem receber as regras de York e Antuérpia de 1994 e 2004 através de e-mail, basta enviar mensagem para irolog@irolog.com.br. 

Perdimento e destinação de mercadorias

A burocracia e a conseqüente morosidade na destinação de mercadorias abandonadas ou apreendidas pela Receita Federal é um assunto que há anos incomoda armadores e terminais alfandegados, cujo resultado reflete diretamente nos usuários desses dois serviços. Milhares de contêineres estão indevidamente retidos nos recintos alfandegados brasileiros aguardando que seu conteúdo seja destinado pelas autoridades. Milhares de metros quadrados de armazéns estão abarrotados de mercadorias na mesma situação. Por que os contêineres dos transportadores marítimos ficam retidos nos terminais? Embora o nosso ordenamento jurídico não trate o contêiner como embalagem da mercadoria, este, que é concebido exclusivamente para o transporte, devido à falta de espaço coberto nos terminais, acabam por se tornar extensão dos armazéns dos fiéis depositários. A Lei do transporte Multimodal (Lei nº. 9611 /1998) é clara em seu Artigo Art. 24, Parágrafo único: “Art. 24. Para os efeitos desta Lei, considera-se unidade de carga qualquer equipamento adequado à unitização de mercadorias a serem transportadas, sujeitas a movimentação de forma indivisível em todas as modalidades de transporte utilizadas no percurso. Parágrafo único. A unidade de carga, seus acessórios e equipamentos não constituem embalagem e são partes integrantes do todo.” Confusões acerca da natureza jurídica do contêiner são comuns, porém, tal equívoco, por uma questão de conveniência, não pode trazer ao transportador marítimo prejuízos de milhões de dólares anuais, simplesmente porque seus contêineres são retidos forçosamente pelas autoridades, em nome da enorme burocracia que existe para destinação de mercadorias. Afinal de contas, o transportador marítimo necessita de seu contêiner para gerar frete, necessita de seu contêiner para o exercício de sua atividade econômica e, na falta de equipamentos, restarão a ele duas opções: Deixarão de embarcar mercadorias; ou alocarão outras unidades para suprir a falta das que estão indevidamente retidas. A segunda opção tem um custo bem elevado. Os depositários da Receita Federal, também amargam muitos prejuízos e em uma situação mais complexa. Isto porque, para guardar essas mercadorias, além de serem obrigados a dispor de um absurdo espaço (armazéns ou pátios), muito acima do pactuado no contrato de concessão, não conseguem receber quantias devidas pela armazenagem, conforme determina a Lei. A Portaria RFB nº 1.022, de 30 de março de 2009, que estabelece requisitos e procedimentos para o alfandegamento de locais e recintos em seu Artigo nº. 9 dispõe: Art. 9º A administradora do local ou recinto deve disponibilizar sem custos para a RFB durante todo o período de vigência do alfandegamento: I – local e equipamentos para guarda e conservação temporária de amostras; II – instalações privativas destinadas à guarda e armazenamento de mercadorias retidas ou apreendidas, ressalvadas as situações amparadas pelas disposições do art. 31 do Decreto-Lei nº 1.455, de 7 de abril de 1976; O Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009, que regulamenta a administração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior, dispõe que,  decorridos cinco dias, a contar do prazo em que as mercadorias são declaradas abandonadas, os depositários devem fazer a comunicação sobre as mercadorias que ali se encontram, cujo desembaraço aduaneiro não tenha sido iniciado. Art. 647.  Decorridos os prazos previstos nos arts. 642 e 644, sem que tenha sido iniciado o despacho de importação, o depositário fará, em cinco dias, comunicação à unidade da Secretaria da Receita Federal do Brasil com jurisdição sobre o recinto alfandegado, relacionando as mercadorias e mencionando todos os elementos necessários à identificação dos volumes e do veículo transportador (Decreto-Lei no 1.455, de 1976, art. 31, caput). § 1o  Feita a comunicação dentro do prazo previsto, a Secretaria da Receita Federal do Brasil, com os recursos provenientes do Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização, efetuará o pagamento, ao depositário, da tarifa de armazenagem devida até a data em que retirar a mercadoria (Decreto-Lei no 1.455, de 1976, art. 31, § 1o). § 2o  Caso a comunicação não seja efetuada no prazo estipulado, somente será paga pela Secretaria da Receita Federal do Brasil a armazenagem devida até o término do referido prazo, ainda que a mercadoria venha a ser posteriormente alienada (Decreto-Lei no 1.455, de 1976, art. 31, § 2o). O FUNDAF, Instituído pelo Decreto-Lei nº 1.437, de 17 de dezembro de 1975, é gerido pela Receita Federal, obedecido o plano de aplicação previamente aprovado pelo Ministério da Fazenda. [epico_capture_sc id=”21329″] Parte das receitas vinculadas é proveniente dos recursos auferidos nas destinações, mediante leilões realizados pela Receita Federal. Tais recursos são repassados ao do Tesouro Nacional e posteriormente distribuídos na seguinte ordem: 40% para a seguridade social – Artigo 213, VII do Decreto 3.048 de 06 de maio de 1999 e 60% para o FUNDAF – Artigo 29, § 1º, alínea a do Decreto-Lei nº 1.455 de 07 de abril de 1976. – Decreto 3.048 de 06 de maio de 1999 Art. 213. Constituem outras receitas da seguridade social: VII – quarenta por cento do resultado dos leilões dos bens apreendidos pela Secretaria da Receita Federal… – Decreto-Lei nº 1.455 de 07 de abril de 1976 Art 29. A alienação ou destinação será efetivada da seguinte forma: 1º A partir de 1º de janeiro de 1988, o produto da alienação de que trata este artigo terá a seguinte destinação: (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.411, de 21.1.1988) a) 60% (sessenta por cento) ao Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (FUNDAF), instituído pelo Decreto-lei nº 1.437, de 17 de dezembro de 1975; (Incluído pelo Decreto-Lei nº 2.411, de 21.1.1988) Como se vê, a lei concede aos depositários o direito de receber da união quantias que venham remunerá-los pelos espaços cedidos para abrigar as mercadorias abandonadas e, até mesmo, as apreendidas que, por analogia, por ser uma situação semelhante, podem ser disciplinadas da mesma forma. O problema é que os depositários não conseguem receber as quantias da união, quando tentam. Por mais que neguem, segundo relatos, muitas vezes os terminais não cobram as quantias devidas na forma como dispõe a lei. Relatos de terminais indicam que existe receio de criar