Hidrovias: um sistema mal aproveitado
Em 2013, ano da aprovação do novo marco regulatório portuário (Lei nº 12.815), o Porto de Santos movimentou 114 milhões de toneladas contra 33 milhões de toneladas em 1993, quando foi promulgada a antiga Lei dos Portos (nº 8.630). Para 2024, a previsão é que movimente 195 milhões de toneladas, mas há estimativas que prevêem 229 milhões. Dentro da atual matriz de transporte, que privilegia o transporte rodoviário, será impossível dar conta de tamanha demanda. A única saída estaria em aumentar a participação das ferrovias no transporte de carga dos atuais 15% para pelo menos 60%. Para tanto, seria fundamental concluir o Ferroanel, que liga o Norte ao Sul do País, mas que, embora seja projeto da década de 1950, ainda está longe de sua conclusão. E mais: é urgente pavimentar a BR-163, especialmente no Pará, onde a maior parte dessa estrada é de terra batida, deslocando o transporte de grãos do Centro-Oeste para o Norte, especialmente para o porto de Santarém, com o objetivo de desafogar os portos de Santos-SP, Paranaguá-PR, São Francisco do Sul-SC e Rio Grande-RS. [epico_capture_sc id=”21683″] Para tanto, é preciso que muitas obras que exigem investimentos de longo prazo saiam do papel, como, por exemplo, a hidrovia Teles Pires-Tapajós, que facilitaria o escoamento no chamado corredor Norte. Só que o ritmo de investimento em logística no País tem sido lento demais. Basta ver que hoje o Brasil aplica 2,1% do seu Produto Interno Bruto (PIB) na melhoria da infraestrutura de transporte, ao passo que a China gasta 7,3% e a Índia 5,6%, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O problema é que as dificuldades são muitas, as obras incontáveis e os recursos não abundam num país cheio de carências em setores essenciais. Isso significa que é necessário estabelecer prioridades, já que será impossível fazer tudo de uma só vez. Uma prioridade seria investir maciçamente no potencial hidroviário do País, que hoje é subaproveitado. Segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), apenas 5% do que o Brasil produz são escoados por rios. Já estudo preparado pela Conferação Nacional dos Transportes (CNT) mostra que de 63 mil quilômetros de extensão de rios, 41.635 são de vias navegáveis, das quais apenas 20.956 economicamente aproveitáveis, ou seja, 50,3%. Para a CNT, faltam manutenção e investimento em eclusas, abertura de canais, dragagem e outras obras imprescindíveis. No ano passado, de R$ 5,2 bilhões autorizados para investimento, o governo federal só conseguiu aplicar R$ 2,4 bilhões, ou seja, 46%. O mesmo estudo aponta que seriam necessários investimentos estimados em R$ 50 bilhões para deixar a infraestrutura em hidrovias em boas condições. Em outras palavras: se o governo aplicasse efetivamente o que costuma reservar em orçamento, nem em uma década essa meta seria alcançada. Como não consegue aplicar por ano sequer a metade do que prevê, nem em 20 anos o Brasil terá um sistema hidroviário eficiente.
A incidência do ISS sobre a desconsolidação de cargas
O presente artigo tem por objetivo analisar a incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre a atividade de desconsolidação de cargas exercida pelo agente de carga no momento do desembarque de mercadorias importadas. Como se sabe, o artigo 730 do Código Civil Brasileiro estabelece o conceito de contrato de transporte, pelo qual “alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas”. Neste sentido, o documento que estabelece o vínculo jurídico entre o transportador e o embarcador e consignatário da carga transportada é o conhecimento de transporte, também conhecido como conhecimento de embarque ou “Bill of Lading” (B/L). Através dele se registram, dentre outras coisas, as condições do transporte e a descrição completa da carga confiada ao transportador. O conhecimento de transporte representa não somente o contrato de transporte, mas também o recibo de entrega da carga ao transportador e o título de crédito relativo à propriedade da mercadoria (transferível e negociável). Com a entrada de empresas de menor porte no mercado de importação e exportação e diante do dinamismo em que se desenvolve o comércio exterior no âmbito internacional, surge a figura do “Non Vessel Operating Common Carrier” (“NVOCC”) que no Brasil também é conhecido como Operador de Transporte Não Armador (sem navio próprio ou fechado). Normalmente, o NVOCC é contratado para consolidar as mercadorias que lhe são confiadas pelos embarcadores e entregá-las em bom estado aos respectivos consignatários no porto ou local de destino. Como não dispõe de navios próprios, o NVOCC afreta espaços em navios de terceiros (geralmente armadores de linhas regulares) para garantir aos seus clientes a perfeita execução do transporte. Para acobertar a operação, são emitidos dois conhecimentos de embarque distintos: o primeiro, denominado Master B/L ou mãe, no qual o NVOCC figura como embarcador e contratante do transporte perante o armador. Já no segundo, denominado House B/L ou filhote, o NVOCC figura como transportador perante o embarcador. Assim, o NVOCC é o responsável pelas cargas recebidas para o transporte perante o embarcador e o armador se responsabiliza por elas perante o NVOCC. Sendo assim, a atividade do NVOCC vem ao encontro da demanda dos pequenos importadores e exportadores, uma vez que de forma isolada as cargas menores não interessam aos armadores, mas sim ao NVOCC que, após consolidá-las em um container, as embarca. O artigo 20 da Norma Complementar n° 1/2008 acima referida não deixa dúvidas de que o NVOCC é classificado como transportador ao conceituar o consolidador como sendo o “transportador não enquadrado nos itens “a” ou “b”, responsável pela consolidação da carga na origem e pela sua desconsolidação no destino, comumente denominado “Non-Vessel Operating Common Carrier – NVOCC” ou “Freight Forwarder”. Para realizar o transporte das mercadorias, o NVOCC é obrigado a consolidar as cargas para embarque e desconsolidá-las quando do seu desembarque. Em regra, o processo de consolidação ocorre para embarques de exportação caracterizando-se pelo acondicionamento de um único ou vários lotes de carga em determinado container. Por sua vez, a desconsolidação acontece quando dos desembarques de importação, caracterizando-se pela retirada de um único ou vários lotes de carga de um container. No momento da importação, o NVOCC estrangeiro precisa contratar no Brasil o serviço de desconsolidação das cargas por ele transportadas, atividade esta atualmente prestada pelo chamado agente de carga. Pois bem. Feitos os esclarecimentos necessários sobre a atividade de desconsolidação de cargas, torna-se possível analisar a incidência do ISS sobre ela. Neste momento, é importante lembrar que, para fins de incidência do ISS, o serviço prestado pelo contribuinte deve estar previsto expressamente na lista anexa à Lei Complementar n° 116/2003, que dispõe sobre o referido imposto. O artigo 156 da Constituição Federal prevê o princípio da taxatividade nos seguintes termos: “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (…) III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)” Como analisado acima, a desconsolidação de cargas é uma atividade recentemente criada para atender as necessidades do comércio exterior e a lista de serviços anexa à LC n° 116/03 atualmente não a prevê de forma expressa. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou o entendimento de que o ISS não pode incidir sobre serviços que não estão previstos expressamente na lista anexa à LC n° 116/03, sob pena de violação ao artigo 156, inciso III, da Constituição Federal. Por estas razões, entendemos que os agentes de carga possuem bons fundamentos para o não recolhimento do ISS sobre as suas receitas relacionadas à desconsolidação de cargas e, caso necessário, podem recorrer ao Poder Judiciário para não se verem obrigados ao pagamento deste imposto. Colaboradores: Luiz Henrique de Oliveira é Advogado em Santos e São Paulo, Membro das Comissões de Direito Aduaneiro e Acompanhamento do Novo Código Comercial para o Brasil – Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, Membro da Associação Brasileira de Direito Marítimo (ABDM) e Membro do Instituto Iberoamericano de Direito Marítimo (IIDM). Contato: lawadv@uol.com.br. Célia Regina Ferreira Arruda – Quantum Contabilidade. Contato: celia.ferreira@contabilquantum.com.br.
Santos 2024: novamente
Muito a contragosto, estamos novamente falando sobre o porto de Santos 2024. Em diversas oportunidades já falamos do nosso apreço por esse porto. E que gostaríamos de vê-lo completamente operacional. Mas não há como. Recentemente ouvimos de um coordenador algo interessante que ele ouviu da administração do porto. Ao lhes dizer, orgulhoso, que estávamos ministrando aula no curso dele, ouviu algo parecido com “ah! ele vive falando contra a gente”. Claro, nem poderia ser de outra maneira. E não só o porto não funciona, como também as autoridades federais não têm a menor consideração com o porto. Nos últimos anos escrevemos dois artigos sobre o porto de Santos 2024. E chamamos de sonho de uma noite de verão, bem como de inverno, querer movimentar 230 milhões de toneladas de carga em 2024, nas condições atuais. Em que dissemos que da maneira como tudo está, é preciso escolher entre a cidade e o porto. Ou se faz algo melhor do que o feito até hoje, ou a qualidade de vida conquistada lá começará a degringolar. Temos visto, amiúde, que nossas autoridades não ajudam. Ao contrário, atrapalham. Que pena que não estamos em Cuba, no Uruguai, Venezuela, Bolívia. Teríamos de nossas autoridades bem mais consideração. Seríamos tratados com mais dignidade. Os investimentos nos nossos portos – bem como na nossa infraestrutura geral – é de dar dó. Pobre da nossa logística, que nos coloca como a pior do mundo entre os países que “contam”. Bem como, nesse quesito, também a pior matriz de transportes da Via láctea (sic), como colocamos em nossa palestra “Matriz de transportes no Brasil”. Recentemente, tivemos a inauguração de dois novos terminas de contêineres em Santos. Que aume ntaram bastante a capacidade do porto na movimentação dessas unidades de carga. Um deles, na Alemoa, embora em funcionamento, não temos certeza se podemos mesmo dizer isso. Para nós, funcionamento significa operar à plena capacidade. Para nossas autoridades, funcionamento é ter pessoas trabalhando, inaugurar e movimentar contêineres. Esse novo terminal a que nos referimos já sofreu para poder começar a funcionar. Também sofre os problemas da pouca profundidade em seus berços. Totalmente pronto, uma beleza, e quem passa na Alemoa pode constatar. Parece mais um hospital de tanta beleza e limpeza. Foi um belo investimento de dois bilhões de reais realizado por dois dos maiores operadores de terminais do mundo, que o construíram em conjunto, sempre acreditando no País. E com excelente localização, logo na entrada do porto. Não tem que cruzar a cidade ou enfrentar gargalos mais à frente para receber ou entregar suas cargas. No entanto, semivazio, sem condições de operar com a baixa profundidade de seus berços. Um investimento perdido? O tempo dirá e, se for isso, o país continuará pagando altas contas pela sua máxima ineficiência. Qual a nossa esperança para alguma melhoria? Não vamos comentar. Vamos dizer que, assim como o voto, é secreto…
Logística de Transporte: A Atual Suprema Senhora da Eficiência
A logística de transporte, embalada em especial pela unitização de carga e pela sua majestade o container, a quem dedicamos o título de oitava maravilha, e primeira da logística, ganha cada vez mais espaço no mundo e se torna absolutamente fundamental na distribuição física de mercadorias. Já não é mais concebível atuar-se na logística como há alguns anos, conforme mencionado em nosso artigo anterior. Em especial como na era da economia fechada, quando a equação de custos era a velha e conhecida “Custo + Lucro = Preço”. Em que o que importava era o repasse aos preços da ineficiência na produção e distribuição, com os agentes econômicos aceitando e pagando tudo isto. Com o reinado já de longa data da nova equação também mostrada no artigo anterior “Preço – Lucro = Custo, os agentes econômicos em geral, produtores, distribuidores, foram obrigados a procurar novas maneiras de tornar seus negócios mais eficientes. Com a dificuldade cada vez maior de repasse dos custos e da ineficiência aos produtos, em virtude da abertura de nossa economia, que antes tarde do que nunca nos brindou, no início dos anos 90, e que nos permitiu buscar mercadorias de melhor preço em qualquer parte do mundo, ficou inevitável buscarmos uma forma de melhorar os custos de transferência de mercadorias, de modo a não encarecer os baixos preços dos produtos estrangeiros, bem como os nossos de exportação. Com a continuidade da utilização quase absoluta do modo rodoviário nas últimas décadas, já tendo representado 80% e hoje ainda 60%, e com os altos custos portuários que sempre tivemos, seria impossível a apresentação de melhorias. Assim, foi inevitável a busca por melhores preços de frete, embarque, desembarque e transporte, bem como eficiência nas operações portuárias. Com isso, iniciamos um processo inédito de privatizações e busca contínua de melhorias que, novamente, antes tarde do que nunca chegou. Podemos citar o transporte ferroviário, privatizado em meados dos anos 90, que com o nível de investimentos que vem recebendo, de já R$ 35 bilhões, e com a virtude de frete baixo e grande espaço, está se constituindo numa alternativa razoável. Embora reconheçamos um pouco de lentidão, e que o processo se constituirá ainda numa longa jornada. Em especial que aquilo que depende do governo não avança como deve. Com a privatização das operações portuárias passamos a ter portos mais modernos e competitivos, reduzindo os custos das operações e aumentando a sua eficiência, respaldando nosso comércio exterior. Claro está que ainda estamos muito longe do ideal, como temos mostrado continuamente. O Mundo continua bem à nossa frente e o Fórum Econômico Mundial nos mostra isso com seus estudos. Para quem tem acompanhado a cabotagem, é de fácil percepção que isso propiciou a sua fantástica recuperação nas últimas duas décadas, com crescimento não imaginável até aquela época. Pelo que sabemos, é o modo de transporte que mais cresce no país em termos relativos. Tornando-se uma alternativa excelente ao rodoviário. Isso não surpreende, considerando-se a costa navegável brasileira, de cerca de 7.500 quilômetros, e que não se deve menosprezar. Estranho era a sua não utilização intensiva como parece que pode ocorrer no futuro. Pena sua utilização ainda ser pequena, o que ofusca seu crescimento percentual em relação ao todo. Ainda deixando dúvidas, devemos considerar a hidrovia, um modo de baixo custo e que não precisa de muito para tornar-se viável. Principalmente a navegação na hidrovia do Mercosul, formada pelos rios Tietê, Paraná e Paraguai, com extensão comparável à costa brasileira. E que poderá ganhar espaço, se por acaso houver alguma mudança significativa e um renascimento do Mercosul. Também o complexo amazônico já tem sido um pouco, e poderá ser ainda de mais valia, com a sua utilização como escoadouro para o exterior da produção de grãos no centro-oeste. Cujo transporte para o mundo apresenta mais vantagens quando levado ao Rio Amazonas, se comparado a seu transporte por rodovia para os portos do sul e sudeste do país. Para isso é necessário que se invista muito nas hidrovias brasileiras, e isso é um grande ponto de interrogação para nós. Não sabemos se o governo perceberá em tempo a importância da hidrovia, tanto para o transporte internacional quanto para o nacional.