Siscoserv é o Antídoto da THC

A ausência de acompanhamento efetivo dos preços, públicos e privados, portuários  brasileiros nos vinte anos de vigência da Lei 8.63093 (Lei dos portos, revogada pela Lei 12.815∕13) gerou um cipoal de práticas oportunistas,  que se tornaram verdadeiros alucinógenos da transparência das despesas de terminal. É o caso da THC (Terminal Handling Charge). Até 2012, os custos de movimentação de contêineres do navio ao porto e deste ao navio não tinham sequer definição no âmbito regulatório o que abriu margem para a criação, pelos terminais públicos, do conceito de THC 2, que era a THC do terminal molhado para um seco, por opção do importador. A THC 2 foi julgada ilegal pelo CADE. Em 2012, finalmente, por meio da Resolução Antaq 2.38912,  aTerminal Handling Charge (THC) foi definida como  “ o preço cobrado pelo serviço de movimentação de cargas entre o portão do terminal portuário e o costado da embarcação, incluída a guarda transitória das cargas até o momento do embarque, no caso da exportação, ou entre o costado da embarcação e sua colocação na pilha do terminal portuário, no caso da importação, considerando-se, neste último caso, a inexistência de cláusula contratual que determine a entrega no portão do terminal”. Este preço (público, no caso dos terminais dentro do porto organizado e privado, no caso dos terminais privados) deve compreender uma cesta de serviços (box rate) cobrada pelo operador portuário, em conformidade com o conceito acima, quando aplicados a todas as cargas movimentadas. Como se trata de um serviço portuário, quando prestado por porto público (Cia. Docas ou arrendatário), é tarifa portuária, portanto, deveria ser homologada pelo CAP (até a edição da MP/595 – DOU  6.12.2012) e, no novo marco, requer um ato administrativo da Antaq, homologando tal tarifa, tal como as demais tarifas portuária, sendo ilegal se cobrada sem tal requisito. Quem paga tais despesas ao operador portuário é o cliente ou usuário, os quais estão definidos no Inciso V do Artigo 2°da norma como as empresas de navegação, os importadores, os exportadores e os consignatários (desconsolidadores). Quando incorridas por empresas de navegação, em moeda nacional, são repassadas aos clientes finais, quais sejam, importadores, exportadores ou agentes de carga, quando estes são intervenientes no transporte. A THC , no tocante ao valor do frete, assemelha-se à sobretaxa de combustível (bunker), sendo um valor cobrado pela empresa de navegação para cobrir custos de terceiros. Como é uma parcela paga no país, em reais, não vem consolidado no Conhecimento de Embarque mas, conforme Acordo de Valoração Aduaneira, faz parte do Valor Aduaneiro que é a base de cálculo dos tributos incidentes sobre a mercadoria importada. O Artigo 3° da mesma Resolução Antaq 2.38912 determina que “Taxa de Movimentação no Terminal (Terminal Handling Charge) poderá ser cobrada pela empresa de navegação, diretamente do exportador, importador ou consignatário, conforme o caso, a título deressarcimento das despesas assumidas com a movimentação das cargas pagas ao operador portuário, ou seja, a Cesta de Serviços(Box Rate)” Os grifos são meus. Eles são relevantes porque, sendo a empresa de navegação sediada no exterior e os demais contratantes previstos na norma (importadores, exportadores e consignatários) estabelecidos no país, a forma como venha a ser contratada, paga e formalizada a THC afeta a sua relação com o Siscoserv. [epico_capture_sc id=”21287″] Da mesma forma que a palavra “ressarcimento”, necessita de uma análise tendo em vista que a THC é um custo relevante na operação, incluindo do ponto de vista fiscal, no caso da importação. 1.    THC é Ressarcimento do Box Rate Curioso observar que o conceito jurídico de ressarcimento está relacionado a um dano material causado ou, no contexto tributário, uma cobrança indevida, a alguém, pessoa pública ou privada, jurídica ou natural, entre si. A norma é tão “realista” que define o preço público da THC como ressarcimento, equiparando-a juridicamente à reparação de um dano causado, no caso, do terminal (ou seria do armador?) aos seus usuários e clientes. De qualquer forma, ressarcimento é recompor o status quo ante. Funciona, de forma análoga, ao seguro da carga, que repara o dano, mas não permite ganho ou sobrelucro. Assim, se o operador portuário cobrou pelos serviços do Box Rate, digamos, R$ 800,00 da empresa de navegação, esta deverá cobrar do seu cliente final, exportador, importador ou agente de carga, os mesmos R$ 800,00, nada mais, nada menos. Assim, se uma empresa de navegação cobra do seu cliente final um valor superior ao cobrado pelo terminal, está enriquecendo de forma ilícita, cabendo-lhe a devolução do que foi pago a maior ao usuário, inclusive, em dobro, se for relação de consumo. Como a THC já é definida pela Antaq, de certa forma, como um ilícito, cobrança a maior do que o Box Rate pela companhia de navegação ébis in idem. 2.    Formas de Cobrança da THC Poderá é diferente de deverá. É o que diz a literalidade da norma. E, analisando a norma sistematicamente, a partir do conceito de clientes ou usuários, nada impede que o operador portuário – o terminal – cobre a THC diretamente do dono da carga ou do agente de carga. Diante disso, abrem-se várias hipóteses para efeito de quem reporta a operação no Siscoserv. Vamos analisar cada uma delas para efeito de verificar quem deve reportar e quais as condicionantes. 2.1.        Cobrança da THC pelo Operador Portuário Diretamente do Usuário Neste caso, não haveria necessidade de reportar esta despesa no Siscoserv haja vista que tratar-se-ia de operação doméstica, com a devida emissão de Nota Fiscal de Prestação de Serviços pelo operador portuário ao usuário do serviço. O contratante é o usuário e o contratado é o operador portuário. Aliás, esta é a forma que, diante das normas vigentes, recomendamos, porque se elimina o intermediário  empresa de navegação bem como a necessidade de se reportar a THC no Siscoserv. Ademais, torna transparente o pagamento e comprovação fiscal por meio da Nota Fiscal de Serviços. Permite-se ainda a negociação dos valores do Box Rate pelo usuário diretamente com o operador portuário sendo assim a forma mais vantajosa  para o usuário. 2.2.        Cobrança da THC pela Empresa de Navegação do Usuário Se a empresa de navegação cobrar a THC, entendemos que

Carta de crédito e análise de documentos: UCP e ISBP – 1

O crédito documentário, ou simplesmente crédito, da família das cartas de crédito, é assim denominado porquanto será honrado (ou negociado) contra a apresentação de certos documentos – documentos estipulados no próprio instrumento. Dentre eles, destacam-se os documentos de embarque, assim entendidos todos os documentos da operação, exceto a letra de câmbio ou saque. Notar que os documentos de embarque incluem mas não se confundem com os documentos de transporte. Além destes, destacam-se a fatura comercial, documentos de seguro, lista de embalagem, certificado de origem, dentre outros. O crédito, em geral, é governado pela UCP 600, da Câmara de Comércio Internacional, Paris. Conforme prevê o seu art. 7o, o crédito será honrado pelo Banco Emitente desde que os documentos estipulados se constituam em uma “apresentação conforme”. Semelhantemente, quando for o caso, será honrado ou negociado pelo Banco Confirmador. Em resumo, devem ser apresentados todos os documentos requeridos pelo crédito, dentro do prazo estabelecido e ao banco para esse fim indicado. Para as finalidades deste artigo, o cerne da questão se resume em apresentar os documentos de forma que se constituam em uma “apresentação conforme”, ou seja, documentos de acordo com os termos e condições do crédito, com as disposições da UCP 600 e com as Práticas Bancárias Internacionais Padrão – ISBP, como estabelece a própria UCP. Observar que o parágrafo anterior mostra o “caminho das pedras” para o Beneficiário do crédito (em regra, o exportador). Ele não deve elaborar um documento desta ou daquela forma somente para agradar o banco. Não! Os documentos devem ser produzidos a partir das exigências do Crédito e de suas emendas já aceitas. Deve respeitar as regras da UCP e as interpretações da ISBP. Não precisam conter informações idênticas, mas estas não podem ser conflitantes. Lembre-se que muitas exigências feitas pela UCP não estão indicadas no texto do Crédito. Por exemplo, o Crédito não exige que o B/L deva ser assinado. Mas a UCP, além de exigir a assinatura, diz quem pode assinar e como deverá ser indicada a assinatura em referido documento. Todavia, a UCP não esclarece se um B/L assinado pelo capitão do navio deve indicar o nome desse capitão. Esse esclarecimento será encontrado na ISBP. Observar, ainda, que, havendo conflito entre a UCP e os termos e condições do Crédito, prevalece o texto do Crédito. Neste caso, para o item ou condição que contrariar a UCP a ISBP não será aplicável. E isto pode remeter o profissional a outra questão. Como saber se o Crédito contrariou a UCP ou se foi estabelecido de forma diversa daquela proposta pela UCP? Só existe uma resposta: conhecendo a UCP. Muitas vezes, a UCP pode não ser muito clara quanto a alguma exigência documentária. Neste caso deve-se lançar mão da International Standard Banking Practice – ISBP 745, também da CCI, Paris. Trata-se de uma prática internacional padrão para análise de documentos apresentados ao amparo de Cartas de Crédito Documentárias (inclusive cartas Standby), quando governadas pela UCP 600. Aprovada pela primeira vez em 2002 – ISBP 645 – ainda na regência da UCP 500, sofreu sua primeira atualização em 2007, com o advento da UCP 600, denominada ISBP 681. A partir de 2011 a ISBP passou por outra revisão que, aprovada em abril de 2013, passou a ser conhecida como Publicação 745 ou ISBP 745. Utilizando a ISBP  A ISBP somente será utilizada quando o Crédito for emitido ao amparo da UCP. Portanto, deve ser lida em conjunto com a UCP. Se algum termo ou condição do Crédito contrariar ou modificar alguma disposição da UCP, então, para esse item não será aplicada a ISBP, como anteriormente mencionado. Assim, ao acordar as condições de venda, as partes – comprador e vendedor – devem estar atentas às implicações que podem resultar para a carta de crédito no que tange ao cumprimento da UCP. Se o acordo comercial implicar em modificações das regras da UCP, isto pode ter impacto na documentação, originando consequências inesperadas e desagradáveis. As interpretações contidas na ISBP podem ser divididas em dois grandes grupos. Um primeiro, contendo 41 itens e que compõem os “Princípios Gerais”. Estes são aplicáveis a todos os documentos. Um segundo, composto de 250 itens, distribuídos em 14 capítulos (identificados por letras: “A”, “B”, “C” etc.) que tratam, cada um deles, de um documento específico: saque, fatura, documento de transporte multimodal, conhecimento marítimo etc. Nos próximos números serão abordados pontos relevantes da Publicação ISBP 745. Por ora, um alerta aos exportadores – beneficiários de cartas de crédito. De nada adianta ter uma carta de crédito emitida e/ou confirmada por um ótimo banco, de um país que não ofereça risco, se os documentos não forem apresentados em ordem, ou seja, sem discrepâncias. Portanto, a meta é “discrepância zero”!