O conhecimento de transporte marítimo de carga (BL) por si só, não é documento hábil para se verificar a relação contatual relativa ao frete internacional de mercadorias. Cabendo a necessidade de análise de outros documentos da operação para que se possa concluir quanto a obrigação de declarar no Siscoserv, quer seja a aquisição ou a venda do serviço de transporte internacional.
Quando a resposta a uma pergunta é “depende”, significa que se está diante de uma situação que irá exigir outras tantas perguntas para que seja, fielmente, respondida. O Siscoserv, em especial quando se trata de transporte internacional de carga, é um terreno muito fértil para as dúvidas e para os equívocos. Sendo a dúvida, muito mais saudável, que a certeza neste caso.
Mesmo após mais de 4 anos de edição, a Lei 12.546/2011 ainda causa mais dúvidas que certezas. E entre tantas, o frete internacional de mercadorias e seus reflexos, segue sendo seu ponto mais polêmico.
Muitas foram as soluções de consulta já editadas pela Receita Federal do Brasil, a quem, por meio de portaria conjunta, coube a responsabilidade de sanar eventuais dúvidas. Todavia, entendemos que há ainda muitas operações cujas peculiaridades não se encaixam perfeitamente nas soluções de consulta já publicadas.
Analisemos, por exemplo, uma operação cujo campo do consignatário se verifique uma pessoa que, posteriormente, não fará a importação em seu nome.
O conhecimento de transporte marítimo de carga (BL – Bill of Lading) é de fato a evidência escrita de contrato marítimo de transporte de carga de um ponto a outro pelo mar.
Tem-se ainda como relevante que o BL, documento cujas regras para sua emissão são internacional, pode ser:
- a) Nominativo a Ordem quando consignado em nome do destinatário ou à ordem do próprio embarcador, de seu agente no porto de destino ou de outro sujeito mencionado no documento e transmissível por endosso;
- b) Nominativo não a Ordem, que como regra, verifica-se por meio de cláusula expressa;
- c) Ao Portador, quando não indica o nome do destinatário e é transmissível por mera tradição.
Dito isso, registra-se a tripla natureza jurídica do BL que é, ao mesmo tempo, a evidência escrita de um contrato de transporte marítimo de carga, recibo de entrega de mercadoria ao transportador ou abordo do navio e título de crédito.
Pois bem, eis o ponto. O BL é título de crédito impróprio, uma vez não é possível aplicar a ele todos os aspectos do regime cambiário, em especial, por não se tratar de valores em dinheiro, mas em mercadoria.
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Na forma do artigo 744 da Lei n° 556/ 1850 – Código Comercial, o BL é documento de emissão obrigatória pelo transportador e assinado pelo comandante do navio. Além disso, tem natureza de escritura pública, conforme disposto no artigo 587 também do Código Comercial. Os requisitos para a emissão deste documento se verifica no artigo 575 do do mesmo diploma legal. Portanto, título de crédito na forma da lei.
Assim, em relação a terceiros, no que tange a sua emissão nominativa a ordem, ele pode ser endossado em branco. Ou seja, sem indicação do endossatário, o que lhe atribui a condição de transmissível pela mera tradição, como um título ao portador. Ou ainda, endosso em preto, onde se faz constar o nome do endossatário.
Genericamente, título de crédito é documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado[1]. Por esta afirmação, pode-se constar relevantes regras aplicáveis ao BL, em sua natureza de título de crédito.
Sendo o título de crédito documento cuja literalidade se verifica na medida que tudo o que está escrito nele tem valor, e por via reflexa, o que não está, não se pode alegar. E da mesma forma, documento autônomo e abstrato, na medida que são assumidas as obrigações escritas no documento, independente do negócio jurídico que lhe deu origem, resulta em obrigação para aqueles que firmaram os documentos.
Voltando tais conceitos agora para o Siscoserv, no que tange ao contrato de transporte internacional de mercadorias, cuja existência se evidência pelo conhecimento de transporte – BL, pode-se imaginar por exemplo, uma operação de importação de mercadoria que chegou ao Brasil amparado por um conhecimento de transporte emitido nominativo a ordem, o que significa que ele pode ser endossado a um terceiro que irá promover a nacionalização das mercadorias ou bens.
Destaca-se que para o Siscoserv, tal operação mediante endosso, não irá mudar a relação contratual inicial entre o embarcador e o transportador. Mantendo-se, portanto, a obrigação de declarar o frete para aquele que celebrou o contrato de transporte com prestador de serviço – transportador, se domiciliado no exterior.
Assim, o contratante do frete, que não será o importador, irá lançar o frete, ainda que posteriormente endosse o BL para um terceiro importador, que irá pagar o frete que jamais contratou, por isso, fora do alcance do Siscoserv.
Destaca-se ainda, que o endossatário, que tenha contratado um frete internacional para o transporte de mercadorias, não terá uma declaração de importação sua para vincular ao lançamento do Siscoserv (facultativo, mas com campo específico). O que foge do padrão das operações.
O mesmo raciocínio, independente da natureza jurídica de título de crédito, teremos quando tratarmos de uma operação de entreposto aduaneiro sem cobertura cambial, cuja admissão for feita por um contribuinte, mas a liberação das mercadorias por outro ou por outros.
O que deve ser considerado é o contrato original realizado entre o entrepostante e transportador.
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Por analogia ao direito tributário, ainda que nosso entendimento seja que o Siscoserv tem natureza de obrigação autônoma administrativa e não acessória tributária, como é o normalmente tratada, o contratado entre particulares não é oponível ao fisco.
Assim, se o que deseja o Siscoserv é ver declarado a relação contratual do domiciliado no Brasil com o domiciliado no exterior, neste caso de transporte internacional de mercadoria, caberá sempre ao contratante original fazê-lo, independente das relações jurídicas sucessivas.
Desta forma, é possível que uma operação no Incoterms FOB, por exemplo, em que o transportador é um domiciliado no exterior, não haverá qualquer obrigação por parte do importador realizar a declaração do frete no Siscoserv.
Todavia, poderá um mero endossatário ou entrepostante, estar obrigado a fazê-lo ainda que não tenha uma Declaração de Importação em seu nome para vincular a declaração.
Por estas e por outras tantas, quando alguém me pergunta: “em uma importação pelo termos FOB, quem declara o frete?” A resposta será: “depende”. Seguida de outras várias perguntas para perfeitamente verificar de quem é a obrigação.
[1] Cesar Vivante, Tratado de Direito Comercial, página 12.
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