Em dezembro de 2013, publicamos o artigo “RFB, conhecimento de embarque e carga”, em que criticamos severamente a Receita Federal do Brasil (RFB) pela insólita decisão de eliminar a necessidade de apresentação do conhecimento de embarque original para a retirada da carga. Em que afrontava a regra internacional, e não sabemos se num ato impensado ou desconhecimento completo da representatividade do conhecimento de embarque.
No transporte marítimo, isso afetou os Non Vessel Operating Commom Carrier (NVOCC) (Transportadores Comuns Não Operadores de Navios). Erroneamente chamados pelo mercado de Agentes de Carga. Também pela RFB, que até hoje ainda não sabe o que eles são. Em que nem há lei para eles no País, mesmo operando aqui há três décadas.
Estava claro que a RFB havia entrado em seara alheia, fora de seu papel, já que esta é uma relação entre transportador e dono da carga, e nada tem a ver com ela. O conhecimento de embarque é contrato de transporte, recibo de carga e título de crédito (exceto os sea waybill e air waybill que não são títulos de crédito, mas de propriedade, assim, não podendo ser endossados a terceiros).
A RFB havia excedido a sua competência. E passado por cima do Código Comercial Brasileiro, Lei 556 de 25/06/1850. Velho, antigo, mas válido, por enquanto. E por cima dos interesses dos maiores interessados, como os transportadores e fiéis depositários.
[epico_capture_sc id=”21683″]Também entendíamos que feria a Lei 10.833/03 em seu artigo 71, que reza: “Art. 71. O despachante aduaneiro, o transportador, o agente de carga, o depositário e os demais intervenientes em operação de comércio exterior ficam obrigados a manter em boa guarda e ordem, e a apresentar à fiscalização aduaneira, quando exigidos, os documentos e registros relativos às transações em que intervierem, ou outros definidos em ato normativo da Secretaria da Receita Federal, na forma e nos prazos por ela estabelecidos”.
Desde a determinação e demonstração de força onde não pode ter, a RFB demonstrou ao mundo como as coisas podem funcionar mal no país. E prejudicar quem intervém no comércio exterior. E não apenas no país, mas no exterior.
Assim como a ela própria, por tomar atitudes incoerentes e inconsistentes com o que se passa no restante do mundo do comércio exterior.
Como dissemos, isso afetou os NVOCCs que se viam diante de uma situação estranha. De poder ver a carga entregue pelo depositário sem que eles recebessem suas despesas. E até mesmo frete.
Situação absolutamente real, que não é apenas hipótese. Bastava o armador de fato receber suas despesas e frete e ele liberaria a carga. Em que o NVOCC ficava a ver navios. Para que o armador não a liberasse, o NVOCC não deveria pagar suas despesas e frete a eles. Mas, que também de nada adiantaria se a compra fosse num Incoterms dos grupos “C” e “D”, em que o frete será pago na origem, por exemplo, CFR . O armador liberava, pois nada lhe era devido.
Prejudicava o próprio fiel depositário, desde que a Lei 10.833/03 exige que ele guarde os documentos por determinado tempo. E, para o fiel depositário, entendemos que o documento a ser guardado é o conhecimento de embarque.
No exterior criou confusão e problemas para os exportadores estrangeiros, que vendem suas mercadorias ao Brasil. Em que o importador, mesmo sem pagar o exportador, apenas pagando despesas e frete, podia retirar a mercadoria. Ninguém conseguia entender o que aqui se passava.
Quando escrevemos o primeiro artigo sobre o assunto, um dos nossos leitores, e amigo, nos parabenizou por ele, nos dizendo que havia viajado ao exterior a negócios, e que não havia conseguido explicar a ninguém o que era essa nova regra brasileira.
Também recebemos de uma amiga um e-mail de uma empresa com quem a empresa dela trabalha no exterior, estarrecedor do que achavam de nós lá fora, sobre a retirada da mercadoria sem pagamento ao exportador.
Em 06/02/2014, a RFB publicou a Instrução Normativa nº 1443, que, em seu artigo 1º, rezava: “§ 3º O disposto no § 2º não dispensa o depositário de adotar medidas ou de exigir os comprovantes necessários para o cumprimento de outras obrigações legais, em especial as previstas no art. 754 da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil”.
Como a situação parecia mais ou menos resolvida, publicamos nosso segundo artigo “RFB, conhecimento de embarque e carga – o retorno”. No entanto, os NVOCCs continuavam a ter problemas já que nem todos os depositários e terminais portuários brasileiros estavam cumprindo a IN.
Agora, finalmente, após quatro anos de vexame internacional de um País que gosta de brincar com coisa séria, a situação fica definitivamente resolvida – claro, até nova maluquice da RFB pródiga em complicar e tornar difícil o que é fácil.
Com a Instrução Normativa RFB nº 1759 de 13/11/2017, a ordem internacional e nacional, fica restabelecida. Para retirar a mercadoria do recinto alfandegado, o importador deverá apresentar ao depositário, entre outros, a via original do conhecimento de carga, ou de documento equivalente, como prova de posse ou propriedade da mercadoria. Também o depositário deverá arquivar, em boa guarda e ordem, pelo prazo de cinco anos a via original do conhecimento de carga.
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