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Demurrage de containers nos casos de pena de perdimento por abandono ou apreensão.

Por André de Seixas @comexblog

O presente artigo foi motivado por e-mail recebido de um leitor, após a leitura do artigo publicado aqui no comexblog.com. A dúvida do leitor era a respeito da demurrage de containers, quando aplicada a pena de perdimento às mercadorias.

Do caso concreto

A empresa do leitor importou mercadorias, acondicionadas em containers, que teve o perdimento decretado pela Receita Federal. Após disputa judicial, a ação foi julgada improcedente, e não se tem maiores detalhes. Com a derrota, suscitou o leitor dúvida se sua empresa continuaria responsável pelo pagamento da demurrage, ou se a Receita passaria a ser responsável, já que, decretado o perdimento, a competência para administrar e efetuar a destinação das mercadorias aprendidas é da Receita.

Da Demurrage e da Pena de Perdimento

Esclareça-se que a demurrage de container, ou sobreestadia, segundo entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência, tem natureza indenizatória, e decorre de obrigação contratual prevista no contrato de transporte, ou contrato acessório. Sua cobrança visa a repor ao transportador marítimo as perdas oriundas da indevida retenção de seu equipamento.

Tanto embarcador quanto consignatário/importador, ou até mesmo os todos juntos, respondem pelo pagamento junto ao transportador marítimo.

Por sua vez, a pena de perdimento da mercadoria é sanção administrativa considerada das maiores e mais gravosas. Consiste na decretação pela Autoridade Fiscal da perda de mercadorias e veículos, caso seja verificada na operação de comércio exterior dano ao erário. As hipóteses de pena de perdimento estão previstas no artigo 23 do Decreto-Lei nº 1.455/76.

Terá relevância para análise somente o perdimento de mercadorias acondicionadas em containers e a delimitação da responsabilidade de cada agente do comercio exterior, nos casos de abandono de carga.

Vinculo de carga e consignatário

A falta de vinculo com a carga é a maior causa de abandono de mercadoria, ou seja, mercadorias descarregadas em zona primária cujo desembaraço aduaneiro não foi iniciado pelo consignatário/importador. Depois de 90 dias da descarga, a Receita Federal inicia o processo para aplicação da pena de perdimento. Como se sabe, existem casos de embarcadores que colocam cargas nos navios e consignam os Bs/L para empresas, sem que estas tenham conhecimento.

A comprovação do vínculo pelo transportador pode ser feita de diversas formas: conseguir provas de que a mercadoria foi adquirida pelo importador, ou seja, casos em que os embarcadores/exportadores apresentem documentos que comprovem a efetivação da compra; quando a contratação do serviço de transporte internacional foi feita pelo próprio importador no destino; trocas de mensagens; requerimentos; registro da Declaração de Importação, ou de uma DTA; e com a identificação de ações ajuizadas em face da Receita Federal

Assim, comprovado o vinculo entre carga e consignatário o transportador marítimo terá elevadas chances de êxito em qualquer cobrança de demurrage. As excludentes de responsabilidade dos consignatários pelo pagamento da demurrage, seriam os atos e fatos imputáveis ao transportador, caso fortuito ou força maior.

Container não é embalagem da mercadoria.

A Lei n° 9.611/98 é clara quanto ao fato de que o container não constitui embalagem da mercadoria.

Ademais, hoje é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que não existe relação de acessoriedade entre o contêiner e as mercadorias nele armazenadas/transportadas para fins de pena de perdimento (Precedentes: REsp 1056063/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 01/09/2010; REsp 908.890/SP, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJU 23.4.2007; e REsp 526.767/PR, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJU 19.9.2005).

No caso trazido pelo leitor, a empresa, obrigada contratualmente ao pagamento da demurrage ao transportador, por possuir interesse e legitimidade, poderia ter requerido a desunitização dos equipamentos que acondicionavam as cargas abandonadas à Receita Ferderal, ficando elas guardadas no armazém do recinto alfandegado até decisão final. É importante ressaltar que a desunitização poderá ser obtida por requerimento administrativo ou via judicial em caso de recusa da Receita Federal.

Assim, a responsabilidade da empresa pelo pagamento da demurrage ao armador, ainda com o abandono da carga e o perdimento decretado, persiste por força de contrato, especialmente se a mesma quedou-se inerte em buscar a desunitização do container para devolução ao armador/transportador. Decisões judiciais esse entendimento: “Processo de perdimento de bens, que resultou em leilão e posterior retirada da carga, não retira a responsabilidade da negociante pela demora na liberação do contêiner.” (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – 16ª Câmara Cível, Apelação nº 0002550-92.2005.8.19.0064, julgado em 25.01.2011)

Todavia, caso a empresa busque a desunitização do container e a mesma seja negada pela Receita Federal imotivadamente, como, por exemplo, sob o fundamento de falta de espaço físico para a armazenagem das mercadorias desovadas, terá direito em face da Receita Federal ao ressarcimento dos danos materiais causados, dentre esses danos as eventuais despesas com armazenagem e sobreestadias. Seguem algumas decisões judiciais neste sentido:

 “ADMINISTRATIVO E CIVIL. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. APREENSÃO DE CONTAINERS JUNTAMENTE COM MERCADORIA SUSPEITA DE AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DE TRIBUTO. IMPOSSIBILIDADE. DANO MATERIAL. OCORRÊNCIA. 1. O contêiner é equipamento ou acessório do veículo do transportador e não se constitui embalagem da mercadoria (art. 24 da Lei n.º 9.611/98), portanto, não é devida a sua apreensão por suspeita de não pagamento de tributo relativo à carga ali contida. 2. Precedentes do STJ: AGA 200702182326 – (950681) – 1ª T. – Rel. Min. José Delgado – DJe 23.04.2008; e RESP 200602677491 – (908890 SP) – 2ª T. – Rel. Min. Castro Meira – DJU 23.04.2007 – p. 00249) 3. Demonstrado que a União deu causa as despesas tidas com o pagamento de sobreestadias dos containers, é devido o ressarcimento pelos danos materiais causados a parte demandante no valor de R$ 123.600,00, conforme acordo judicial firmado entre a empresa autora e a proprietária dos containers nos autos da ação de cobrança de n.º 583.00.2006.153353-0. 4. Manutenção da verba honorária em R$ 1.000,00, considerando não só a baixa complexidade da matéria aqui discutida, como o reduzido tempo de tramitação dos autos (feito ajuizado em 2007), nos termos do art. 20, parágrafo 4º do CPC. 5. Apelações e remessa oficial improvidas.” (AC 200783000049573, Desembargador Federal Francisco Wildo, TRF5 – Segunda Turma, DJE – Data::22/10/2009 – Página::362 – grifou-se)

 “APELAÇÃO CÍVEL – RETENÇÃO DE CONTÊINER VAZIO – PENA DE PERDIMENTO -DESCABIMENTO – AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ – TAXA DE ARMAZENAGEM – RESSARCIMENTO DEVIDO – DANOS MATERIAIS E LUCROS CESSANTES – NÃO COMPROVAÇÃO. 1. Não se confunde o contêiner com a carga nele transportada, conforme disposto no parágrafo único, do artigo 24, da Lei nº 9.611/1998. 2. Os contêineres constavam do Plano Geral de Cargas da embarcação. Clandestinidade não configurada. Ausência de má-fé. Não se aplica pena de perdimento ao contêiner. Precedentes. 5. No que tange à taxa de armazenagem, verifico que a União Federal, por meio de seus agentes, acarretou prejuízo ao particular, sendo devido o ressarcimento. 6. O mesmo não sucede, entretanto, no tocante aos alegados danos causados nos contêineres e aos lucros cessantes decorrentes da impossbilidade de sua utilização. Com efeito, referidos prejuízos não foram demonstrados nos autos.” (APELREEX 00041165120004036104, DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN MAIA, TRF3 – SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/05/2010 PÁGINA: 86 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

Conclusão

Pelo exposto, concluímos que:

 (i) a empresa, no que tange ao pagamento da demurrage, permanecerá responsável perante o armador pelo pagamento da demurrage até a efetiva devolução do equipamento. Já no que tange às armazenagens e demais despesas da carga devidas ao depositário, estas serão calculadas até data de aplicação do perdimento; e

 (ii) a empresa, somente em caso de recusa da Receita Federal em desunitizar os equipamentos, terá direito ao ressarcimento dos danos materiais causados, como despesas com armazenagem e sobreestadias.

* Artigo escrito em Parceria com Rodrigo da Paz Ferreira Darbilly (rfd@mooadv.com.br). Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ; Advogado desde 2003. Pós-graduado em Direito Privado Patrimonial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ.

André de Seixas

Diretor Comercial da IRO-LOG LOGISTICS & TRADING e da TRANSBRANDÃO TRANSPORTES E LOGISTICA LTDA; especializado nos ramos de transporte rodoviário e marítimo, logística, armazenagem, logística portuária e comércio exterior; Comissário de Avarias e regulador de sinistros; Websites: https://www.irolog.com.br e https://www.transbrandao.com.br

Analista de Importação Profissional

1 comentário

  • Bom dia André, tenho um caso semelhante referente a Demurrage de container, nossa mercadoria deu canal amarelo, fiscais estavam alegando que nosso alto falante seria destinados ao setor automotivos, fizemos um laudo com engenheiro da receita federal e conseguimos provar que o produto não seria utilizado no setor automotivo, porem, pagamos armazenagem, engenheiro e demurrage do container super alto os valores, porque nessa brincadeira nossa mercadoria ficou 58 dias aguardando liberação. Uma pergunta, se estavamos certo podiamos entrar com alguma ação referente custos extras que tivemos? Fico no seu aguardo!

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