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Reclassificação fiscal: retenção de mercadoria

O tema é antigo e já foi objeto de inúmeros artigos de renomados juristas reconhecendo a ilegalidade de retenção de mercadoria como forma de exigir eventual diferença de tributo ou mesmo a multa aplicável em função de desclassificação de mercadorias.

Voltamos ao tema em virtude de decisão recente (março/2013) do Superior Tribunal de Justiça que mais uma vez entendeu descabida a retenção de mercadoria importada nestes casos. In verbis:

TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – MERCADORIA IMPORTADA – DIVERGÊNCIA NA CLASSIFICAÇÃO TARIFÁRIA – RETENÇÃO PELO FISCO – LIBERAÇÃO CONDICIONADA À APRESENTAÇÃO DE GARANTIA E COBRANÇA DE MULTA – IMPOSSIBILIDADE – PRECEDENTES DO STJ – AGRAVO NÃO PROVIDO – 1- “Não se exige garantia para liberação de mercadoria importada, retida por conta de pretensão fiscal de reclassificação tarifária, com consequente cobrança de multa e diferença de tributo” (AgRg no RESp 1.263.028/PR, Segunda Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 15/6/12). 2- Agravo regimental não provido. (Superior Tribunal de Justiça – AgRg-REsp 1.227.611 – (2011/0001380-8) – 1ª T. – Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima – Dje 25.03.2013) .

O tema também já foi enfrentado pelo STF, sendo inclusive objeto da súmula nº 323 que diz que “é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.”

Entretanto, ainda que pese o assunto já ter repetidas decisões amparadas pelos superiores tribunais do país, segue sendo ignorada pela autoridade fiscal que continua se valendo do artifício para recolher eventuais diferenças de impostos e multas.

Desta forma, utiliza-se do confisco das mercadorias, condição vedada pela a Constituição Federal (artigo 150, inciso IV), como forma de facilitar seu trabalho, vez que a não concordância do contribuinte resultaria na necessária lavratura de competente auto de infração, instrumento capaz de permitir ao contribuinte o exercício da ampla defesa e do contraditório. Opta a fiscalização por ganhar no grito, afrontado todos os direitos de qualquer contribuinte de opor-se ao entendimento do auditor responsável pela desclassificação.

Por outro lad,o os importadores acabam por optar em recolher multas e diferença de impostos que julgam indevidas. Muitas vezes é mais econômico aceitar a injusta cobrança à arcar com custos de demurrage, armazenagem e honorários advocatícios , quando optam pela contratação destes e, em especial, porque tem compromissos comerciais a cumprir com a mercadoria retida ilegalmente e a demora poderia causar estragos ainda maiores que uma eventual diferença de impostos e multas.

Mais um ponto relevante no polêmico tema é que, muitas vezes, quando os importadores batem à porta da Justiça Federal acabam por não obter êxito.

Utilizar-se de Mandado de Segurança para liberar mercadoria liminarmente é vedado pela própria lei que embasa o remédio constitucional (12.016/09 – artigo 7º, parágrafo 2º). Portanto, cabe o Mandado de segurança, mas não é permitido fazer o pedido de liberação por meio de decisão em caráter liminar.

Já uma ação judicial ordinária com pedido em caráter liminar resulta, repetidas vezes demoradas, vez que poucos são os juízes que concedem a medida sem ouvir a SRFB. E este vai e volta de intimação, exige tempo.

Os importadores ainda encaram outra mazela, pois em se tratando de direito aduaneiro e seus procedimentos, muitos juízes “pisam em ovos” e têm receio de decidir pelo contribuinte acerca de matéria que nem sempre dominam. Nestes casos, optam, às vezes sem conseguir fazer o devido embasamento legal, por exigir o depósito no valor da diferença e da multa. Ou seja, se ficar o bicho pega e se correr o bicho corre atrás!

Pois bem, cabe-nos lembrar que qualquer cobrança, de qualquer multa ou diferença de imposto é ato administrativo e como tal, está adstrito à lei e inclusive sua protelação tem limite legal (artigo 24, da Lei n° 9.784/99 ).

O Regulamento Aduaneiro vigente (Decreto nº 6.759/2009) dispõe em seu artigo 570 que “constatada, durante a conferência aduaneira, ocorrência que impeça o prosseguimento do despacho, este terá seu curso interrompido após o registro da exigência correspondente, pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável” e que (§3º) havendo manifestação de inconformidade, por parte do importador, em relação à exigência de que trata o § 2, o Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil deverá efetuar o respectivo lançamento, na forma prevista no Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972”.

E onde se baseia a autoridade fiscal para exigência da garantia para liberação das mercadorias? Por vezes, sequer dão-se ao trabalho de fundamentar qual exigência, o que é obrigação legal. Os que arriscam a fundamentação, o fazem, em regra na Portaria MF n° 389/76 (plena ditadura militar) que dispõe sobre o desembaraço aduaneiro de mercadorias importadas e retidas pela autoridade fiscal da repartição de despacho.

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Diz o artigo 1º, in verbis:

“As mercadorias importadas, retidas pela autoridade fiscal da repartição de despacho, exclusivamente em virtude de litígio, poderão ser desembaraçadas, a partir do início da fase litigiosa do processo, nos termos do artigo 14 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, mediante depósito em dinheiro, caução de títulos da dívida pública federal ou fiança bancária, no valor do montante exigido”.

Por outro lado o artigo 14 do Decreto n° 70.235/72, determina que a fase litigiosa se inicie com a impugnação do lançamento. Questiona-se: Pois se o lançamento não houve, como pode haver sua impugnação. Inexistindo o litígio, por consequência, tornam-se inaplicáveis as disposições da Portaria MF n° 389/76. Trata-se, portanto, de norma cuja aplicação tornou-se imprópria, vez que acaba por contrariar a nova ordem constitucional estabelecida em 1988, com a promulgação da atual Constituição Federal (não recepcionada)

Ademais, o Fisco tem seus direitos resguardados em legislação própria ao lhe permitir proceder ao lançamento em momento posterior ao desembaraço das mercadorias (artigo 54, do Decreto-Lei n° 37/1966, com redação dada pelo Decreto-Lei n° 2.472/1988).

Assim sendo, reter a mercadoria em caso de desclassificação fiscal, bem como em demais situações, é absolutamente contraria a lei e aos princípios constitucionais vigentes.

Nestes casos, o procedimento correto a ser adotado pelo fiscal nos casos em que o importador insurja-se contra a desclassificação, é liberar a mercadoria e lavrar o auto de infração, que inclusive pode ser posterior ao desembaraço, como já mencionado. Permitindo assim que o importador defenda-se administrativamente ou por via judicial, com a pertinente impugnação.

* Advogado e sócio do escritório Pereira & Menezes

Gisele Pereira

Advogada Aduaneira, especialização em direito marítimo e portuário pela FDV, MBA em direito tributário pela FGV, consultora na área de Siscoserv desde agosto de 2013, 28 anos de experiência em comércio exterior e na área aduaneira, sócia do escritório Pereira & Avila Advogados Associados.

Analista de Importação Profissional

2 comentários

  • Estou com uma mercadoria parada em sp deu canal verde e em ultimo momento o fiscal solicitou repessagem dos itens. Porém a infrator nao tem balança de precisão, porém estou com a mercadoria parada. Posso entrar com mandato de segurança?

  • Não sei se a Importação de Bens Via Remessa Postal está relacionada a esse post, porém vou perguntar mesmo assim. Tenho uma mercadoria parada há quase cinco meses na fiscalização aduaneira do RJ (valor inferior a US$500). Fiz o Pedido de Informação nos Correios há 2 meses e entrei em contato com a ouvidoria dos Correios, mas até hoje não obtive nenhuma resposta. Existe algum meio de obter maiores informações sobre o andamento da fiscalização ou exigir judicialmente a liberação desse pacote? Obrigado

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