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Há a obrigação de informar o número de série?

Algumas apreensões de mercadoria ocorridas no Espírito Santo no final do ano de 2012 trouxeram à tona a discussão acerca da obrigatoriedade de informar o número de série dos produtos para o desembaraço aduaneiro, bem como nas saídas posteriores. A alegada ilegalidade foi considerada pelo Auditor Fiscal da Receita Federal como passível de pena de perdimento.

O tema é bem mais complexo do que parece, haja vista que se ampara em normas e conceitos bastante abertos, o que dificulta bastante a defesa do empresário no caso de uma eventual fiscalização, com apreensão de mercadoria e lavratura de auto de infração, que mesmo amparado em argumentos frágeis, obrigam o contribuinte a transtornos e custos para sua defesa.

Quanto a exigência, o Regulamento do IPI (Decreto 7.212/2010), artigo 413, inciso IV, alínea “a”, define, salienta-se em caráter exemplificativo e não taxativo, os elementos que devem constar da nota fiscal (entrada e saída) para descrever um produto, sendo: “nome, marca, tipo, modelo, série, espécie, qualidade e demais elementos que permitam sua perfeita identificação”.

Tais exigências foram reproduzidas nos regulamentos do ICMS de vários estados, uma vez que é objeto de convênio entre os estados da federação (convênio sem número de 15/12/1970).

O Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009), no artigo 577, inciso III, define que a fatura comercial deve conter a “especificação das mercadorias em português ou em idioma oficial do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, ou, se em outro idioma, acompanhada de tradução em língua portuguesa, a critério da autoridade aduaneira, contendo as denominações próprias e comerciais, com a indicação dos elementos indispensáveis a sua perfeita identificação”.

Portanto, o Regulamento aduaneiro não trouxe como o RIPI, expressamente, a exigência de número de série, mas exige a perfeita identificação.

Parece-nos que é justamente o conceito de “perfeita identificação” que acaba por deixar margem para discussão e arbitrariedades dos auditores fiscais, uma vez que a lei não traz os requisitos para exigir ou não a informação relativa ao número de série. Pela interpretação literal do Regulamento do IPI, não há distinção. Todos os produtos industrializados, independente de suas características, devem trazer número de série. Parece-nos de elevada dificuldade tal informação acessória, além de sua absoluta inutilidade prática em muitos casos.

Imaginem uma Nota Fiscal de um container com um milhão de CDs, embalados individualmente para revenda? Um milhão de seriais? Ou um container de canetas? Sola de sapato? Bijuteria? Incontáveis produtos e todos os segmentos? Matéria prima? Cosméticos? E não são somente os importados que exigem tal informação. Os produtos nacionais também. E para que? Qual a utilidade prática de tal informação em alguns tipos de produto?

Não seria suficiente a descrição que permitisse identificar que o produto descrito no documento fiscal é condizente com a análise do produto físico? Mas a lei não define quais produtos devem ter série. Portanto, ou são todos, ou alguém deve regular tal exigência dentro de algum critério, seja ele preço ou NCM, por exemplo. Mas o fato é que hoje não há definição.

Todos sabem que norma tributária sem definição muito clara de critérios é “armadilha de pegar contribuinte” de forma predatória, satisfazendo a “sede” que muitos fiscais trazem, especialmente no final do ano quando os armazéns estão, em regra, cheios de mercadorias.

E é o que acontece. Lavratura de auto de infração com o argumento de que a ausência de número de série impossibilita a “perfeita identificação do produto”. Sem norma clara, o bolso do contribuinte padece.

E o absurdo maior, aplicando pena de perdimento com fundamento no artigo 689, X, do regulamento aduaneiro que configura situação de dano ao Erário, por ter mercadoria “estrangeira, exposta à venda, depositada ou em circulação comercial no País, se não for feita prova de sua importação regular”.

Trocando em miúdos: a falta de serial não permite ao fisco vincular a mercadoria que esta eventualmente no estoque do empresário à nota fiscal que este apresenta no momento da fiscalização. Se não consegue dizer que é pertencente a determinada nota pela ausência de séria, então toda a importação é irregular.

Oras, se o importador, não descreve, por exemplo, corretamente a cor do produto ou sua referência, é exigido que ele corrija a Declaração de Importação e recolha 1% de multa sobre o valor aduaneiro daquela adição. Mas o serial, que esta dentro do mesmo artigo, da mesma norma não pode ser corrigido, por exemplo, com uma nota fiscal complementar. A este “crime” aplica-se a pena máxima? O Perdimento. Tal situação é no mínimo desproporcional.

São muitos os absurdos aos quais os empresários, sobretudo os importadores (os mais perigosos aos olhos do fisco) são submetidos diariamente. Este é só mais um deles.

Diante da situação, o que se sugere, sobretudo por haver decisões do poder judiciário autorizando a aplicação de pena de perdimento no caso de ausência de informação do número de série nas notas fiscais (há outras no sentido contrário também) é que os importadores, bem como aqueles empresários que comercializam as mercadorias industrializadas, que, havendo no produto número de série, que mencione os respectivos nas notas fiscais evitando assim prejuízos aos seus negócios. Não havendo no produto o número de série, não há o que fazer para proteger-se, somente contar com o bom senso dos fiscais.

Gisele Pereira

Advogada Aduaneira, especialização em direito marítimo e portuário pela FDV, MBA em direito tributário pela FGV, consultora na área de Siscoserv desde agosto de 2013, 28 anos de experiência em comércio exterior e na área aduaneira, sócia do escritório Pereira & Avila Advogados Associados.

Analista de Importação Profissional

16 comentários

  • Dra. Gisele, parabéns pelo esclarecedor artigo! A senhora teria exemplos da jurisprudência acerca do assunto? Obrigado!

  • É de conhecimento público o fato de computadores serem basicamente caixas montadas com diversos subprodutos ‘componentes’ dentro que executam funções distintas, tendo uns papéis fundamentais no funcionamento e outros papéis de acessório.
    É impossível apenas com a vista externa diferenciar a configuração de componentes de computadores que utilizem a mesma carcaça.
    Apesar de que a exigência legal de código que sirva como número de série seja obrigatória para itens como carros, por uma simples analogia, equiparando a montadora de carros à montadora de computadores, tanto carros como computadores não podem ser descritos fundamentalmente pela aparência de suas carcaças. Chega-se a conclusão de que o número de série é imprescindível para identificação de computadores.
    Logo, não se pode questionar o bom senso do fiscal aduaneiro que exige número de série para computadores, visto que uma pequena alteração de configuração muda drasticamente seu valor comercial e os tributos incidentes.
    Tudo bem, concordo com vocês que reclamam dos procedimentos burocráticos, mas não falem mal de alguém sem antes tentar analisar a situação do ponto de vista do outro (o fisco).

  • Gostei do tópico, e acho que as coisas poderiam ser mais claras realmente, temos uma miscelanea de regras, seja de impostos, seja de detalhes especificos de cada produto, uma verdadeira loucura….mas por via das dúvidas sempre trabalhei da seguinte forma, o produto tem número de série ou lote, eu solicito a descrição na invoice e packing list, pelo menos eu tiro o risco de perto de mim.

  • Gisele, parabéns pela matéria. É apontando c/ franqueza os dramas enfrentados que o quadro pode mudar. Não debater nada a respeito seria preocupante. Abços.

  • Gisele, parabéns pela matéria. É apontando c/ franqueza os dramas enfrentados que o quadro pode mudar. Não debater nada a respeito seria preocupante. Abços.

  • Prezada Gisele, bom artigo. Quanto a necessidade de informação de número de série, ver inciso III, § 2º, do art. 69, da Lei nº 10.833/2003 e itens 42.2, do anexo da IN SRF nº 680/2006, 39.2, do anexo I e 18.1, do anexo II, da Portaria MICT/MF nº 291/1996.

    • Prezado Carlos. Bom dia. Obrigada por seu comentário foi muito bem vindo. Um texto para blog exige uma certa leveza e não pode ser muito técnico (jurídico). Tem leitores não juristas e um texto com muitas normas fica enfadonho ao leitor de outras áreas.

      • Concordo, mas se o tema é a obrigatoriedade (legal) de informação, a citação se torna relevante.

  • Muito bom artigo, a verdade e que nao existe regras claras existem fiscais, xerife que dizem UMA REGRA vem outro e diz nao, e outra regra e assim , ja passei por isso o importador que gera impostos e riquezas deveria ser tratado com parceiro do pais mas a verdade e outra, sera que algum dia havera bom senso e regras claras, pois nesse sistema o Brasil e um FIASCO.

  • Prezada Gisele, parabens pelo artigo e opiniões acerca do assunto. É realmente uma árdua tarefa obter o serial number de cada item importado. Creio que tal solicitação data de épocas antigas, onde o comércio internacional do Brasil não refletia aquilo que se realiza nos dias atuais. Não vejo problemas quando falamos de bens de capital, onde um container contém uma ou duas máquinas. porém, como bem dito por você, quando falamos em produtos de consumo, onde a quantidade é significtiva, a tarefa é demais de árdua. E o pior disso tudo, prá que? Parabens mais uma vez pelo artigo.

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