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O Ajuste SINIEF nº 19 e a morte da livre concorrência

Quem dera um dia o Estado use toda sua criatividade para simplificar as obrigações dos empresários. Pois para criar obrigações estrambóticas já não temos dúvida que são insaciáveis.

Uma vez acalmado os ânimos dos importadores acerca da unificação de alíquotas interestaduais para a venda de produtos importados ou com conteúdo de importação, voltamos a Resolução 13 do Senado Federal para analisar a obrigação esdrúxula de informar o valor da importação na nota fiscal de venda. Tal exigência vem sendo objeto de ações judiciais, que afortunadamente, tem resultado positivo aos empresários que batem a porta do Poder Judiciário para proteger seu direito de manter o sigilo de informações estratégicas de suas negociações.

Pois bem, o parágrafo 3o, do artigo 1o Da Resolução do Senado Federal nº 13, dispõe que o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) poderá baixar normas para fins de definição dos critérios e procedimentos a serem observados no processo de Certificação de Conteúdo de Importação (CCI). O que foi feito por meio do Ajuste SINIEF nº 19/2012.

O aludido ajuste, entre outras regulamentações, estabelece na cláusula sétima o dever de informar em campo próprio da Nota Fiscal Eletrônica: (I) – o valor da parcela importada do exterior, o número da FCI e o Conteúdo de Importação expresso percentualmente, calculado nos termos da cláusula quarta, no caso de bens ou mercadorias importadas que tenham sido submetidos a processo de industrialização no estabelecimento do emitente e (II) o valor da importação, no caso de bens ou mercadorias importados que não tenham sido submetidos a processo de industrialização no estabelecimento do emitente.

Sendo que a obrigação para os produtos do item II estão em vigor desde 1º de janeiro de 2013 e aqueles que dizem respeito à FCI, passaram a ser obrigados a partir do dia 1 de maio de 2013.

As exigências foram internalizadas pelos Estados por meio de alteração dos Regulamentos de ICMS. Portando, todos os importadores passam a ser obrigados a mencionar nas suas notas fiscais de venda o valor de sua importação.

Desta forma, não será necessário muitos esforços para, com uma simples análise da nota de venda do importador, verificar o valor de custo da mercadoria, ou mesmo seu valor de compra no exterior, já que com um pouco de conhecimento de importação, facilmente se poderá verificar o preço CIF (custo da mercadoria, adicionado o frete e o seguro) da mercadoria, fazendo o cálculo do sentido contrário. Já, aplicando-se os impostos de venda e conhecendo o custo do produto importado, tanto o cliente comprador, como o concorrente, poderá conhecer as margens brutas de lucro dos importadores.

É o fim dos segredos comerciais e das estratégias de negociação consolidadas durante anos de atuação dos importadores no mercado internacional. E tudo isso sem qualquer beneficio ao fisco para exercício de sua função de arrecadar e fiscalizar.

Tal exigência afronta princípios constitucionais norteadores das relações comerciais e com o fisco, tais como o da livre concorrência, livre iniciativa, sigilo fiscal e liberdade na atividade econômica, expressamente protegidos pela Constituição Federal em seus artigos 5o, X, artigo 145, parágrafo 1o, artigo 170, parágrafo 4o, além do artigo 198 do CTN, que resulta em prejuízos inegáveis e de grande proporção aos importadores, vez que lhes impõe a obrigação de entregar seus segredos comerciais mais valiosos aos seus clientes e concorrentes, sem qualquer proveito prático ao fisco no exercício de suas funções.

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Os princípios norteadores da atividade econômica são expressos na Constituição Federal (artigo 170 ao 192) e pretendem promover a justiça social, preservando a dignidade humana e o bem estar social, de forma a integrar estes valores ao desenvolvimento econômico. Tal desenvolvimento é produzido pela atividade privada, que atua sob a ótica capitalista, com liberdade para o exercício das atividades econômicas. Figurando a livre concorrência entre os princípios gerais da atividade econômica, portanto, subordinada igualmente a ordem constitucional.

A Livre Concorrência, que significa na prática, o direito de concorrer livremente no mercado que escolheu, traz em si a ideia de luta, competição entre aqueles que atuam no mesmo mercado. É justamente a livre concorrência que permite a competitividade entre as empresas, obrigando-as a aprimorar constantemente seus métodos de negociação, ajustar seus custos e procedimentos de forma a obter o melhor resultado e a satisfação de seus clientes. É notório que um mercado sem concorrência é altamente prejudicial ao consumidor final.

O artigo 198 do CTN veda expressamente que o fisco divulgue informações dos contribuintes, salvo em situações especiais e expressas na lei. Então, como pode a norma tributária infralegal exigir que informação de tamanha relevância seja estampada em suas notas fiscais de venda, para quem bem pretenda saber os preços de compras/importação e consequentes margens de lucro ou mesmo de prejuízo? Pois, como bem se sabe, nem todas as negociações são lucrativas.

É isso ai. Morreu a Livre concorrência.

Gisele Pereira

Advogada Aduaneira, especialização em direito marítimo e portuário pela FDV, MBA em direito tributário pela FGV, consultora na área de Siscoserv desde agosto de 2013, 28 anos de experiência em comércio exterior e na área aduaneira, sócia do escritório Pereira & Avila Advogados Associados.

Analista de Importação Profissional

5 comentários

  • Bom dia.
    Com a publicação do Ajuste Sinief 9, acredito que prorrogaram a discussão, além da criação de uma terceira faixa de enquadramento, (novas mundanças em nossos sistemas de TI), notem que na cláusula 11ª, há menção de “… o número da FCI do correspondente item da NF-e, bem como o percentual correspondente ao valor da parcela importada…” Entendo que o correta seria informar o percentual do conteúdo de importação e não o valor da parcela importada, assim como descrito na cláusula 7ª

  • Pois é, mais uma lei, mais burocracia e também mais grana para os
    advogados. Contudo, devemos ressaltar que a motivação desta lei se deu
    pelos muitos abusos que estão ocorrendo. Por ex. compra-se da China uma
    lâmpada de automóvel por US$ 0,20 e o consumidor paga R$ 20,00/30,00 por
    essa mesma lâmpada. É por causa deste e outros exemplos que tais leis
    surgem, bem como as reclamações por tais leis. Mas, e o consumidor por
    tem que pagar R$ 20/30,00 por tal lâmpada se R$ 5 a 7,00 seria o preço normal, incluindo todos os impostos e o lucro do importador/distrubuidor??
    De
    fato não vivemos numa livre concorrência ou as leis de mercado não são a
    regra por aqui, mas os monopólios e oligopólios ainda imperam,
    infelizmente. Por isso temos que ainda ter tais leis que nos protejam.

    • RIcardo, excelente o seu comentário. Todo mundo reclama quando o governo estabelece uma norma como essa e é até normal, vemos apenas os fatos unilateralmente, vamos seguindo junto com a maré… às vezes, em situações como essa, só conseguimos enxergar o que está errado e nem raciocinamos direito.
      Não tenho nada contra a advocacia, mas o referido Ajuste causou uma explosão nos escritórios com a promessa fácil de deferimento de mandados de segurança, e vários clientes contrataram advogados afim de resguardar um direito constitucional que lhes é de direito. É certo que advocacia é exercida como um “meio” e não com um “fim” certo, se assim fosse, todos os pleitos teriam sido deferidos nos tribunais, e isso não aconteceu até agora. É certo que o fisco já tem as informações necessárias para exercer a fiscalização, mas é certo também que a FCI, objeto de maior contestação fervorosa, não trata apenas disso…
      Essas últimas semanas o que eu ouvi de “isso não é possível, é inconstitucional” “temos direitos”, “não vamos abaixar a cabeça para o governo” “isso não tem pé nem cabeça”.. etc, etc, etc…
      Todo assunto tem dois lados, assim tanto podemos encarar a livre concorrência, e extratégias de negociação “consolidadas durante anos de atuação dos importadores” como um “segredo comercial” que não pode ser discutido e nem violado, como também podemos enxergar como a possibilidade do importador cometer abusos e estabelecer o seu poder de monopolização ao consumidor final, mesmo que indiretamente… Podemos enxergar essa norma como a “Morte da livre concorrência” ou como um “novo tipo de concorrência”, quem sabe até mais justa… Mas isso, só os tribunais irão decidir.

      ABraço.

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