A Guerra silenciosa dos terminais portuários

A Lei dos Portos (8.630/93) em seu Artigo 4° , estabelece que a exploração das instalações portuárias, entendidas como infraestrutura (cais, piers, ancoradouros, etc) e superestrutura (guindastes, portêineres, gates, etc) , devem se dar nas seguintes modalidades: 1) uso público; 2) uso privativo exclusivo para movimentação de carga própria ou 3) uso privativo não exclusivo para movimentação de carga própria e de terceiros. Os terminais de uso público são aqueles que estão dentro do porto organizado objeto de concessão mediante licitação pública e consequente contrato de arrendamento com a União, detentora dos portos. Tais terminais estão sob a égide da Lei 8.987/95, que regula os serviços públicos concedidos à iniciativa privada na qual, em seu Artigo  6°, temos os princípios jurídicos que regem tais serviços: “Toda  concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.  § 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas, aplicando-se esta lei específica, a quem fixa o Poder Público para defender os direitos e obrigações dos usuários, sem prejuízo do disposto na Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). Já os terminais de uso privativo não são objeto de concessão mediante licitação pública  mas de autorização, condicionada ao domínio de área portuária, capacidade financeira e viabilidade econômica do terminal privativo. Os terminais de uso privativo estão fora do porto organizado, são construídos com finalidades específicas do proprietário do terminal e são objeto de contrato de adesão com a Antaq. Por serem totalmente de iniciativa privada, não seguem os princípios reguladores dos serviços públicos concedidos, praticando preços e não tarifas e tendo uma política comercial mais flexível. Por outro lado, os terminais privativos investem em greenfield enquanto os concedidos já estavam faturando no dia em que foram licitados, reduzindo o risco e permitindo que ele próprio pague o investimento enquanto este é realizado. O Decreto 6.620/08 que regulamenta o marco regulatório dos terminais portuários, contudo, determina, em seu Art. 35 que os terminais de uso privativo podem realizar atividades portuárias 1)- movimentação de carga própria, em terminal portuário de uso exclusivo;2) – movimentação preponderante de carga própria e, em caráter subsidiário e eventual, de terceiros, em terminal portuário de uso misto; e 3)III – movimentação de passageiros, em instalação portuária de turismo. [epico_capture_sc id=”21329″] No item acima, observem que o Decreto insere a palavra “preponderante” nas operações de terminais mistos, com carga própria e de terceiros”. Com a palavra “preponderante”, que não está na Lei 8.630/93, o governo criou, simultaneamente, uma incerteza jurídica aos terminais de uso misto  e ainda inibiu a construção e ampliação de terminais de uso misto chegando a situação caótica atual em que os terminais públicos, sobretudo em Santos, que movimenta 40% da carga marítima brasileira, operando em overbooking. Tramita no Senado Federal o Projeto de lei do Senado (118/09) de autoria da Senadora Kátia Abreu que altera o Artigo 4° da Lei 8.630/93 explicitando que os terminais privativos podem operar qualquer tipo de carga, própria ou de terceiros. A iniciativa tem por objetivo liberar a insegurança no investimento dos terminais privativos para que possam concorrer livremente com os públicos e, desta forma, ampliar a oferta de serviços portuários, principalmente contêineres, e isso, não é de interesse dos terminais públicos.

Mais terminais, maior concorrência

No século XVIII, à época do Brasil colonial, era do Estado que tudo dependia: as câmaras municipais, entre outras atribuições, cuidavam dos estancos, os monopólios que eram concedidos a alguns escolhidos para que pudessem explorar alguma atividade comercial. Assim, em cada vila ou cidade, clãs dominavam os negócios mais rentáveis da capitania, usufruindo de monopólios que estavam vedados aos vassalos de menor poderio econômico. Obviamente, o processo era marcado por licitações que, não raro, envolviam interesses subalternos, tanto do governador e capitão-general, do ouvidor e dos camaristas e outras autoridades. Resquício dessa mentalidade cartorial ainda permanece no Brasil de hoje em várias atividades, inclusive, no setor portuário. Basta ver que, nos últimos onze anos, o governo federal licitou apenas cinco terminais marítimos. Com poucos terminais, não há concorrência e os preços cobrados alcançam níveis extorsivos. Diante de tanta lentidão burocrática – motivada por incontáveis interesses em jogo –, muitos grupos deixam de investir e, como os números das importações e das exportações só tendem a aumentar, os serviços ficam cada vez mais complicados e caros. Como exemplo, é de lembrar que, no Porto de Santos, o maior dos terminais para contêineres e líquidos não foi a leilão. Em função disso, a empresa interessada teve de comprar as outras arrendatárias para herdar os contratos. O resultado desse estado de coisas é o agravamento da falta da eficiência dos portos públicos. No Brasil, o armador, em média, desembolsa US$ 300 para movimentar um contêiner cheio, o que equivale a quatro vezes mais o preço do serviço em portos asiáticos e pelo menos o dobro do cobrado em portos europeus modernos. A pretexto de preservar os portos públicos, o que só se pode dar com a falta de concorrência que permite a cobrança de altos preços, o governo impede a remodelação das companhias docas, aproveitando ainda essas empresas estatais como moeda de troca no jogo político-partidário, abrindo espaços para muitas nomeações e indicações. É de ressaltar, porém, que a falta de terminais modernos e berços de atracação bem equipados obriga o armador a remanejar as escalas dos navios, com todos os prejuízos que isso acarreta. Além do mais, há um comprometimento nos possíveis ganhos de eficiência e na redução de custos que poderiam advir do programa federal de dragagem. Ou seja, com calado maior, os navios grandes – com mais de 7 mil TEUs (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés) – podem entrar nos portos, mas encontram poucos guindastes disponíveis para servi-los. Para funcionar a contento, esse tipo de navio teria de ser operado por quatro ou cinco portêineres ao mesmo tempo a fim de que houvesse efetivamente um ganho de escala. Obviamente, como essa não é a realidade dos portos públicos brasileiros, há necessidade de maior concorrência, o que só pode ocorrer se houver maior número de terminais. Em outras palavras: seria necessário mais investimento e incentivos para aumentar a eficiência dos portos, o que só será possível com maior desregulamentação e abertura. Do contrário, o custo para carregar ou descarregar um contêiner de 40 pés no porto de Santos continuará três vezes superior ao que é cobrado em Roterdã, o porto mais eficiente da Europa. E a tendência é que essa diferença se alargue mais ainda.