Exportação de serviço: um problema sem solução?
Que a tributação no Brasil é coisa de gente insana, todo mundo sabe. Mas pouca coisa consegue ser mais duvidosa, indefinida e temerária que a exportação de serviço. Em linhas gerais, a Constituição Federal, matriz de tudo o que diz respeito a tributação no Brasil, em seu artigo 156, parágrafo 3º, inciso II estabelece que cabe a Lei Complementar “excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior”. Assim, em nosso entendimento, caberia a Lei Complementar, seguir o comando constitucional e simplesmente excluir a incidência do ISS sobre a exportação de serviço. Teria o legislador economizado muita dor de cabeça se simplesmente tivesse reconhecido a imunidade do ISS sobre as exportações de serviço na própria Constituição. Todavia, apenas estabeleceu que tal condição fosse definida por lei complementar. De acordo com o Manual Básico para Exportação de Serviço [1], elaborado pelo Governo Federal – MDIC em junho de 2014: Conceito de Exportação de Serviços – Exportação de serviços refere-se à produção, venda e entrega de um produto intangível entre produtor e consumidor, pessoa física ou jurídica, residentes ou domiciliados em países distintos. No sentido mais abrangente, adotado pela Organização Mundial do Comércio – OMC, a exportação de serviços compreende diferentes situações envolvendo a transposição de fronteiras, seja do serviço, seja do consumidor ou da pessoa física prestadora do serviço, seja mediante estabelecimento de presença comercial no exterior da própria empresa prestadora do serviço. Estas situações são denominadas modos de prestação de serviços. (Grifamos) Assim, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, para que um serviço seja considerado exportado, basta que seja negociado entre domiciliados em países distintos. E, de fato, de forma muito simples, exportar é mandar para fora (do Brasil). Porém, a Lei Complementar 116/2003, que foi instituída para cumprir o comando constitucional criando regra geral para a incidência do ISS resolveu inovar. [epico_capture_sc id=”20887″] O parágrafo único, do artigo 2º, da Lei Complementar 116/2003, não se prestou simplesmente a reconhecer, conforme o comando constitucional, a não incidência do ISS sobre as operações de exportação ao serviço. Acabou, pois, por criar um novo conceito para a palavra exportação ao definir que o imposto – ISS, não incide sobre as exportações de serviços para o exterior do país e que “não se enquadram em exportação de serviço aqueles desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior”. Portanto, para a lei que trata das questões gerais do ISS, exportar não é simplesmente mandar um serviço para fora do país. Também não se enquadra no conceito do MDIC. O ponto crucial a ser identificado em uma operação para saber se ela é ou não exportação de serviço está na palavra “resultado”. Isso, na prática não traz nenhum critério objetivo para solucionar a questão. O que seria então este resultado para fins de incidência ou não do ISS? Resultado por definição é o efeito, consequência ou o produto de uma ação. Assim, falando de resultado do serviço, seria onde o serviço prestado pudesse surtir seus efeitos, fruir, ser verificado o seu produto. Por lógica, o resultado deve ser analisado sob a ótica de quem contratou o serviço e jamais do contratado. Todavia, o assunto segue sem uma definição prática eis que “resultado”, uma palavra aparentemente comum e de fácil definição consegue criar uma quizomba entre os diferentes agentes e estudiosos do direito, bem como para os empresários. A Secretaria de Finanças do município de São Paulo, para piorar o que já era bem ruim, mudou seu entendimento. Para aquele fisco, conforme o Parecer Normativo 4/2016, de 10 de novembro de 2016, a exportação de serviço ocorre “quando a pessoa, o elemento material, imaterial ou o interesse econômico sobre o qual recaia a prestação estiver localizado no exterior”, O Parecer Normativo 4/2016 definiu em seu artigo 1º que “o serviço prestado por estabelecimento prestador localizado no Município de São Paulo considerar-se-á exportado quando a pessoa, o elemento material, imaterial ou o interesse econômico sobre o qual recaia a prestação estiver localizado no exterior”. Note que são os dois elementos a serem analisados para enquadrar como exportação de serviço – “quem” e “o que” devem estar localizados no exterior. E o “resultado”? No entendimento do Fisco Paulistano será exportação de serviço quando o objeto da prestação do serviço estiver no exterior, deixando de lado, portanto, o conceito de resultado da Lei Complementar 116/2003. E o Parecer Normativo 4/2016 foi além. Em seu artigo 2º simplesmente exclui da condição de exportação de serviços determinadas operações, ignorando qualquer análise quanto ao “resultado” do serviço. Art. 2º Sem prejuízo de outras situações em desacordo com o disposto no “caput” do artigo 1º, não configuram exportação de serviços as seguintes situações, referentes a serviços previstos na lista do “caput” do artigo 1º da Lei nº 13.701, de 29 de dezembro de 2003: I – para os serviços previstos no item 1 da Lista de Serviços – “Serviços de informática e congêneres”, se o sistema, programa de computador, base de dados ou equipamento estiver vinculado a pessoa localizada no Brasil; II – para os serviços previstos no item 2 da Lista de Serviços – “Serviços de pesquisas e desenvolvimento de qualquer natureza”, se a base pesquisada se encontrar em território nacional; III – para os serviços previstos nos itens 10 e 17 da Lista de Serviços – “Serviços de intermediação e congêneres” e “Serviços de apoio técnico, administrativo, jurídico, contábil, comercial e congêneres”, se uma das partes intermediadas, os respectivos bens ou os interesses econômicos estiverem localizados no Brasil; IV – para o serviço previsto no subitem 15.01 da Lista de Serviços – “Administração de fundos quaisquer, de consórcio, de cartão de crédito ou débito e congêneres, de carteira de clientes, de cheques pré-datados e congêneres”, se houver investimento ou aquisição no mercado nacional. Assim, por meio de vários “ses”, o fisco paulistano ignorou onde se dá o “resultado” para caracterização de uma exportação de serviço. Criou suas próprias regras (legislou), contrariando o texto constitucional, a LC 116/2003
Tributação de importados abaixo de U$ 100 é ilegal
Primeiramente cumpre destacar que muito se discute acerca da possibilidade de isenção do Imposto de Importação no Regime de Tributação Simplificada, existente para remessa postal internacional de valor não superior a US$ 100 (cem dólares), quando o exportador é pessoa jurídica. Para melhor esclarecer o assunto, a legislação em vigor em relação a tributação das remessas postais e encomendas aéreas internacionais obedece ao Regime de Tributação Simplificada, instituído pelo Decreto-Lei 1.804/80, que dispõe: Art. 2º – O Ministério da Fazenda, relativamente ao regime de que trata o art. 1º deste decreto-Lei, estabelecerá a classificação genérica e fixará as alíquotas especiais a que se refere o § 2º do art. 1º, bem como poderá: II – dispor sobre a isenção do imposto sobre a importação dos bens contidos em remessas de valor de até cem dólares norte americanos, ou o equivalente em outras moedas, quando destinados a pessoas físicas. Ocorre que em contrapartida, a Portaria Ministério da Fazenda MF 156/99, assim dispões: Art. 1º – O regime de tributação simplificada – RTS, instituído pelo Decreto-Lei nº 1.804, de 3 de setembro de 1980, poderá ser utilizado no despacho aduaneiro de importação de bens integrantes de remessa postal ou encomenda aérea internacional no valor de até US$ 3.000,00 (três mil dólares dos Estados Unidos da América) ou o equivalente em outra moeda, destinada a pessoa física ou jurídica, mediante o pagamento do Imposto de Importação calculado com a aplicação da alíquota de 60% (sessenta por cento) independentemente da classificação tarifária dos bens que compõem a remessa ou encomenda. §2º – os bens que integrarem remessa postal internacional no valor de até US$ 50,00 (cinqüenta dólares dos Estados Unidos da América) ou o equivalente em outra moeda, serão desembaraçados com isenção do Imposto de Importação, desde que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas. [epico_capture_sc id=”21683″] Além disso, a Receita Federal do Brasil, editou a Instrução Normativa IN SRF 096/99, que em seu artigo 2º, dispõe: Art. 2º – O Regime de Tributação Simplificada consiste no pagamento do Imposto de Importação calculado à alíquota de sessenta por cento. § 2º – Os bens que integrem remessa postal internacional de valor não superior a US$ 50,00 (cinqüenta dólares dos Estados Unidos da América) serão desembaraçados com isenção do Imposto de Importação desde que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas. Veja que conforme disposições supramencionadas, o Decreto-Lei 1.804/80, no artigo 2º, II, estabelece que as remessas de até cem dólares são isentas do imposto de importação quando destinados a pessoas físicas, nada mencionando sobre o remetente. Após, a Portaria MF 156/99 e a IN SRF 096/99 passaram a exigir que tanto o destinatário quanto o remetente fossem pessoas físicas e diminuiu o valor da isenção para o limite de US$ 50 (cinquenta dólares). Desta forma, não pode a autoridade administrativa, por intermédio de ato administrativo, ainda que normativo (portaria ou instrução normativa), extrapolar os limites claramente estabelecidos em lei, pois está vinculada ao princípio da legalidade. Evidente o abuso de poder ao legislar sobre matéria já regulamentada e ainda privar o contribuinte do direito regulamentado no Decreto- Lei. Outrossim, não havendo no Decreto-Lei restrição relativa a condição de pessoa física do remetente, tal exigência não poderia ter sido introduzida por ato administrativo, afastando-se do princípio da legalidade. Fica evidente que há conflito de normas hierarquicamente inferiores ao Decreto Lei para regulamentar a mesma matéria. Percebe-se que tanto a Portaria do Ministério da Fazenda como a Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal extrapolaram os limites estabelecidos por norma recepcionada com status de lei, inovando aqueles atos normativos na ordem jurídica ao exigir, como condição para concessão da isenção do imposto de importação, que, além do destinatário do bem, o remetente também seja pessoa física, o que é ilegal e arbitrário, devendo ser questionado no judiciário toda e qualquer cobrança neste sentido. É cediço que o Poder Normativo da Administração Pública, que se expressa por meio de decretos regulamentares, resoluções, portarias, deliberações, instruções e regimentos, não pode contrariar a lei, criando direitos ou imposto restrições que não estejam previstos, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade, cabendo ao Judiciário velar pela observância desta garantia constitucional (art. 5º, XXXV, CRFB). A matéria inclusive já foi enfrentada por nossos Tribunais, senão vejamos: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. ISENÇÃO. REMESSA POSTAL. PORTARIA MF Nº 156/99 e IN SRF 96/99. ILEGALIDADE. 1. Conforme disposto no Decreto-Lei nº 1.804/80, art. 2º,II, as remessas de até cem dólares, quando destinadas a pessoas físicas, são isentas do Imposto de Importação. 2. A Portaria MF 156/99 e a IN 096/99, ao exigir que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas, restringiram o disposto no Decreto-Lei nº 1.804/80. 3. Não pode a autoridade administrativa, por intermédio de ato administrativo, ainda que normativo (portaria), extrapolar os limites claramente estabelecidos em lei, pois está vinculada ao princípio da legalidade. (APELREEX 200571000068708, ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA, TRF4 – PRIMEIRA TURMA, D.E. 04/05/2010.) Ante o exposto, devem os contribuintes pessoas físicas que forem compelidos a recolher Imposto de remessas postais de até cem dólares buscarem o judiciário para exigir a liberação das remessas sem pagamento de tributos, sem prejuízo da restituição dos valores já recolhidos de forma indevida, desde que não ultrapassado o prazo de 5 anos do recolhimento.