De acordo com o código penal brasileiro em seu Art. 334º, o ato de importar e exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria, é considerado crime de contrabando ou descaminho.
Embora categorizados indistintamente dentro do mesmo conceito, observa-se que a segunda parte da norma – o descaminho – possui características eminentemente tributárias, pois remete à falta de recolhimento de tributos devidos com o intuito de lesar o fisco. E somente a primeira parte da norma – o contrabando – é que poderia ser tipificada como crime, cujo fulcro é considerado penal, visto que há uma proibição expressa para a comercialização de determinados produtos, o que não se percebe na primeira parte, logo o crime de descaminho não deveria ser considerado penal e sim meramente tributário.
Nessa mesma linha de raciocínio, encontra-se decisão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que, por unanimidade, determinou o trancamento e o arquivamento de inquérito policial contra duas empresas do Rio Grande do Sul com base no Art. 83˚ da Lei 9.430/96, onde se pode verificar determinação expressa: A representação fiscal para fins penais contra os crimes de ordem tributária somente será encaminhada ao Ministério Público após o lançamento de ofício que configure a exigência do crédito tributário.
Ao encontro dessa assertiva, também se pode verificar, por meio do Art. 2˚ do Decreto 2730/98, que somente depois de concluído o processo administrativo fiscal, é que o Ministério Público deverá ser acionado e somente se (i) o crédito tributário em questão não houver sido extinto pelo pagamento e (ii) se a ocorrência, em tese, for considerada criminosa.
Entende-se, portanto, que caso venha a ser proferida, em esfera administrativa, decisão final contra a empresa, no sentido de que sejam exigidos os créditos tributários devidos, é preciso considerar que, havendo plena quitação dos tributos, não se mantém a justa causa para a Ação Penal, pois o descaminho não subsiste na ausência de dolo.
Adicionalmente ao exposto, é mister observar que o Art. 21º da Lei 11.033/04, determina que a atuação da Fazenda Nacional no que se refere à movimentação da máquina estatal, para fins de arrecadação proveniente de obrigação legal relativa a tributos, se dará somente nos casos em que o valor em questão for igual ou superior a R$ 10.000,00. Essa limitação não elimina a atuação da RFB nos caso de valores menores, no entanto, é parâmetro relevante para uma avaliação de risco por parte da empresa.
Diversas jurisprudências do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, dão o tom ao entendimento de que não se deve falar em crime de descaminho, em se tratando de posse de pequena quantidade de mercadorias estrangeiras, de reduzido valor, o que por si só já indica inexistir lesão ao fisco. De modo que não se enseja a atuação da fiscalização encarregada da repressão ao suposto ato lesivo.
Com base no exposto, consideremos a importação de mercadorias que adentrem ao estabelecimento industrial de uma empresa que, após verificação física, tenha como apuração final, a existência de excesso de produtos, o que eventualmente possa vir a ocorrer devido a erros de expedição no exterior. Estariam as operações dessa natureza, em 100% dos casos, configuradas como crimes de descaminho?
Analisemos o que dispõe o §5º do Art. 45º da IN 680/06, que normatiza o despacho de importação:
§ 5º – Ressalvadas as diferenças decorrentes de erro de expedição, as faltas ou acréscimos de mercadoria e as divergências que não tenham sido objeto de solicitação de retificação da declaração pelo importador, que venham a ser apurados em procedimento fiscal serão objeto, conforme o caso, de lançamento de ofício dos tributos incidentes e penalidades cabíveis ou de aplicação da pena de perdimento.
Embora não haja especificação para o percentual do que o § 5º chama de diferenças de erros decorrentes de expedição, certamente por meio de análise das características da operação é possível evidenciar a ocorrência do erro. Além do que o Art. 21º da Lei 11.033/04 o faz claramente quando se refere ao valor mínimo de tributos a ser objeto de fiscalização, o que minimiza ainda mais a ocorrência de risco.
Tomemos como exemplo o fato de que, caso o resultado da apuração referente à verificação física da mercadoria no estabelecimento da empresa demonstre que na declaração de importação foram informadas 100.000 unidades de peças, por exemplo, quando na verdade foram embarcadas 100.003. Em se tratando de mercadoria cujo valor seja irrisório e possa se verificar por meio das evidências documentais que trata-se, claramente de erro de expedição o processo de retificação de D.I para este caso não deveria ser solicitado pela empresa, bastando para isso um ajuste de estoque.
A ocorrência de dolo em situações como a descrita acima pode até ser considerada existente em se tratando de transações realizadas entre empresas vinculadas, mas qual seria essa possibilidade, em operações envolvendo empresas sem a existência do referido vínculo?
Do mesmo modo que a possibilidade de a empresa incorrer em crime de descaminho por deixar de retificar o processo exemplificado acima, assim como diversos outros que, por ventura, após análise, sejam enquadrados em situação correlata, é praticamente nula e perfeitamente defensável diante da remota possibilidade de uma autuação fiscal e das jurisprudências supramencionadas.
[epico_capture_sc id=”21731″]Conclui-se, portanto, que em certos casos, a decisão de retificar D.I com mercadoria em excesso, e ainda por cima, realizar o pagamento ao fornecedor que não possui um procedimento de despacho robusto e que comete erros em sua expedição, seria uma forma de burocratizar uma operação que apenas penaliza o importador, financeira e operacionalmente.
Assumir esse risco, que é extremamente calculado, vem ao encontro da necessidade de se criar mecanismos de redução de custos e desburocratização dos processos internos da empresa, além de manter o foco no que realmente agregue valor ao negócio, tornando-o mais competitivo e eficaz.
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