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Avaria grossa: O NVOCC deve contribuir?

A partir desse post, se o tempo permitir, tratarei de temas específicos do Direito Marítimo, Portuário, Arbitragem, Regulação e Contratos Internacionais, no que chamo “Entrelinhas”, a fim de que o(a) leitora(a) possa compreender além do que se diz ou escreve.

No cotidiano da advocacia há mais de duas décadas, temos nos deparado com algumas dúvidas e questionamentos de operadores e usuários de transporte marítimo internacional acerca do pagamento da avaria grossa.

De vez em quando, surgem consultas de NVOCC´s e de importadores, com e sem seguro de transporte internacional de carga, surpreendidos com  uma comunicação do armador para que efetue o pagamento na conta do regulador designado de determinado valor a título de avaria grossa.

Dentre as perguntas mais comuns posso mencionar:  “Avaria grossa? O que é isso? Devo pagar? Mas eu já paguei o frete?” e “Isso é um abuso”.

A fim de elucidar tais questionamentos, ainda que em breves notas, pois o tema tem suas particularidades, diante de cada caso concreto, é que escrevo esse texto.

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O valor da avaria grossa decorre de um percentual da soma do custo da mercadoria e do frete para os membros da expedição marítima onde houve o sinistro que deu causa à declaração da avaria grossa.

O tema avaria no Direito Marítimo, seja simples ou grossa, é um dos que mais atormentam os operadores do transporte marítimo, mesmo os mais experientes, especialmente agentes intermediários, como NVOCC´s e agentes de carga.

Nesse cenário, tratarei aqui do tema, tão somente sob a ótica (percepção jurídica) da obrigação do NVOCC (Non Vessel Operator Common Carrier), que é um importante player do comércio exterior, vez que tem contribuído sobremaneira para a difusão do transporte marítimo, assim como redução dos seus custos para o embarcador.

Nos Estados Unidos, o NVOCC surgiu com a edição do Shipping Act n. 4, em 1984, a fim de facilitar a operação de exportação do pequeno empresário para novos mercados. No Brasil, o primeiro embarque, por meio de um NVOCC, ocorreu em 1986, em um navio do extinto Lloyd Brasileiro.

Nesse ano, a SUNAMAM editou a Resolução n. 9608, de 04 de março, que reconheceu o NVOCC para facilitar o intercâmbio comercial entre EUA e Brasil. Decorridos mais de 15 anos de criação da Antaq, em 2001, até hoje inexiste regulação desse relevante player.(1)

Devo ressaltar que os estudos comparados, e não era para ser diferente, em face das viagens que fiz pelo mundo (cerca de trinta países) por meio da atividade como Piloto de navios mercantes, têm acompanhado a minha trajetória como advogado há mais de vinte e cinco anos. Nesse sentido, busquei me aprofundar no modelo regulatório doshipping e dos terminais exercido pela FMC nos EUA.(2)

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Não é objetivo desse breve artigo, aprofundar o tema avaria grossa, mas tão somente introduzir a discussão, especialmente porque quando a avaria grossa foi criada não havia a figura do NVOCC.

Dois regimes jurídicos regulam a avaria grossa: O Código Comercial de 1850 (lei nacional de eficácia em todo o território) e as Regras de York-Antuérpia criadas no âmbito internacional, para dar maior uniformização e segurança jurídica para o instituto.

A definição de avaria tem alcance amplo conforme o art. 761 do Código Comercial de 1850:

Art. 761. Todas as despesas extraordinárias feitas a bem do navio ou da carga, conjunta ou separadamente, ou todos os danos acontecidos àquela ou a esta, desde o embarque até a sua volta e desembarque, são reputadas avarias.

Ademais, o mesmo código, em seu art. 763, diferencia as avarias grossas ou comuns, das avarias simples ou particulares, e estabelece que as aquelas são repartidas proporcionalmente entre navio, frete e carga, enquanto que estas (simples)  são suportadas só pelo navio ou apenas pela coisa que sofreu o dano ou deu causa à despesa.         As avarias simples são as que ocorrem mais no cotidiano da navegação e, geralmente, envolver o armador e a carga, tal como em caso de extravio, dano ou furto.

Vale mencionar que a avaria grossa é instituto que possui cerca de três mil anos, antes mesmo da Lei de Rhodes (século VIII a.C) tal como mencionado em Marida Ltd. V. Oswal Steel (The Bijela) [1993] 1 Lloyd´s Rep 411, 420, segundo Hoffmann LJ.

O Digesto de Justiniano, por sua vez, publicado em 15 de dezembro de 533 (século VI), assim tratava o tema:

The Rhodian Law decrees that if in order to lighten a ship merchandise is thrown overboard, that which has been given for all shall be replaced by contribution of all.

A citação acima é uma das mais antigas definições de um princípio que tem regulado o transporte de mercadorias pela mar. Cabe, ainda, mencionar a clássica definição desse instituto dada pelo juiz inglês Lawrence J no caso Birkley v. Presgrave(1801).

All loss  which arise in consequence of extraordinary sacrifices made or expenses incurred from the preservation of the ship and cargo come within general average and must be borne proportionately by all those who are interested.

Como visto, o nosso Código Comercial de 1850 regulou o tema na esteira do que havia há séculos, embora a interpretação do citado instituto é tema que gera controvérsia e insegurança jurídica.

Desta forma, é possível o armador determinar a retenção da carga ao terminal portuário, até que o embarcador ou consignatário pague a contribuição por avaria grossa declarada, tal como determina o art. 7º do Decreto Lei 116/67, que assim dispõe:

Art. 7º. Ao armador é facultado o direito de determinar a retenção da mercadoria nos armazéns, até ver liquidado o frete devido ou o pagamento da contribuição por avaria grossa declarada.

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 Aspectos operacionais

Para a regulação da avaria grossa, dentre vários outros procedimentos, dois formulários serão enviados pelo armador (average bond e average guarantee), que precisam ser preenchidos com os dados do contêiner e do BL, assinados, carimbados e enviados juntos com uma cópia da invoice, ao average adjuster (regulador de avarias) nomeado.

O average bond e o documento non-separation agreement devem ser preenchidos normalmente pelo consignatário e o average guarantee pela seguradora, a fim de que as mercadorias sejam liberadas pelo terminal portuário, a pedido do armador.

A despesa de avaria grossa está coberta pelo seguro de transporte internacional, e a operação de liberação é feita pela seguradora do importador ou do NVOCC. Para aqueles sem seguro, é necessário fazer o depósito na conta indicada pelo armador. Por tal motivo, é relevante fazer o seguro internacional.

O seguro de transporte internacional cobre as mercadorias transportadas contra os diversos riscos a que estão expostas, dentre as despesas de avaria grossa, e pode oferecer coberturas adicionais como guerra e greves.

Assim sendo, é devido pagamento da contribuição por avaria grossa quando há despesas extraordinárias feitas pelo armador numa viagem marítima, por exemplo, como aquelas devido ao alijamento de carga ou decorrentes de uma explosão com incêndio a bordo.

E o NVOCC? Deve contribuir?

Entendemos que sim, vez que é considerado embarcador perante o armador, porque contrata este. E qual o melhor momento para o pagamento?

Ressaltando-se que cada caso é um caso, a experiência mostra que, tão logo o NVOCC seja informado pelo armador da declaração da avaria grossa, deve consultar o seu advogado, para que analise a legalidade da cobrança e, por sua vez, momento para o pagamento.

Agindo assim, o NVOCC poderá evitar pagamento de custas judiciais e de honorários de sucumbência devidos ao armador, caso efetue o pagamento após a citação em caso de ação judicial, o que geralmente ocorre, além do pagamento da avaria grossa, por força da sentença proferida.

Referências:

(1) Sobre o tema, por meio da análise comparativa de oito elementos determinantes do NVOCC nos EUA e Brasil,  quais sejam: (i) origem e evolução; (ii) entidade reguladora; (iii) conceito; (iv) associação de classe; (v) registro; (vi) garantia de responsabilidade financeira; (vii) NSA (non-vessel operating common carrier service arrangement) e (viii) solução de conflitos, veja: CASTRO JUNIOR, Osvaldo Agripino de; BANDEIRA, Helges Samuel. A Relevância do NVOCC para o Poder Marítimo Brasileiro. In: CASTRO JUNIOR, Osvaldo Agripino de (coord.). Direito Marítimo, Regulação e Desenvolvimento. Prefácio Comte. Wesley Collyer. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 417-457.

(2) Acerca do papel e dos fundamentos  da regulação setorial independente (RSI) no transporte aquaviário e da atividade portuário, inclusive do NVOCC, por meio da análise comparativa de vinte e dois elementos determinantes da regulação exercida pelaFederal Maritime Commission e da Antaq, veja relatório final da pesquisa de Pós-Doutorado em 2007-2008 na Kennedy School of Government da Harvard University: CASTRO JUNIOR, Osvaldo Agripino de. Direito Regulatório e Inovação nos Transportes e Portos nos EUA e Brasil. Prefácio do Prof. Ashley Brown da Harvard University. Florianópolis: Conceito, 2009, 410 p.

Osvaldo Agripino

Advogado (UERJ, 1992), especialista em comércio exterior, arbitragem, Direito Marítimo e Portuário. Sócio do Agripino & Ferreira Advocacia e Consultoria. Pós-Doutor em Regulação de Transportes e Portos – Harvard University. Professor do Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da Univali e da UFSC. Piloto de navios mercantes no longo curso. (1983-1987).
Email: agripino[at]agripinoeferreira.com.br

Analista de Importação Profissional

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