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Bill of Lading e Container

Há pouco tempo, ao fazermos uma palestra numa grande universidade, onde também lecionamos nossa pós-graduação, fomos contestados, antes dela, a respeito de duas afirmações em um dos nossos livros, mais precisamente de Transportes, unitização e seguros internacionais de carga-prática e exercícios.

Que o B/L – Bill of Lading (conhecimento de transporte marítimo) não era um contrato de transporte, uma das três funções citadas, mas a evidência de um contrato de transporte. E que o container não é um porão de navio porta-container.

Para a questão do B/L temos a dizer que, ao longo de mais de 40 anos de comércio exterior, sempre ouvimos e lemos, realmente, que se trata de uma evidência de contrato de transporte. E parece que a maioria das pessoas aceita isso, normalmente, como ponto “Atlântico”. Ou Pacífico, se desejarem. E este “conhecimento” – desculpem o trocadilho – vai passando de um a outro sem muita contestação.

Não no nosso caso, pelo menos. Desde a primeira vez que lemos isso, ou aprendemos a respeito, nos mais diversos cursos realizados, não aceitamos a idéia. Sempre a discutimos, entendendo que estava errado. Para nós, embora não sejamos advogados, ele é um contrato de transporte, não uma evidência de contrato, por isso colocamos assim em nossos livros. Pode até ser que estejamos errados, mas vamos tentar mostrar que o B/L não é uma evidência de contrato, mas sim um contrato.

Quem trabalha com o B/L sabe que de um lado se coloca todos os dados do embarque, e a assinatura do transportador. E do outro lado ele tem infindáveis cláusulas definindo obrigações e direitos de “cada parte”. Sempre se diz que o lado das cláusulas é o verso do B/L. Alguns que é o anverso, ou à frente dele. Entendemos que onde estão tais cláusulas são realmente a frente do B/L, ou o anverso. Isso por ele ser um contrato e um contrato tem cláusulas. E, o outro lado, por consequência, tem que ser o verso, onde se colocam os dados do embarque, completando o contrato de transporte.

Quanto a esta questão de contrato, que nos parece bem óbvio, não podemos aceitar que um documento que tem uma imensidão de cláusulas, definindo deveres e direitos, seja uma evidência. Evidência de algo é um documento que nos remete a algum outro documento. O que não é, para nós, o caso do B/L.

Charter Party (contrato de afretamento) nos remete ao B/L, e este é denominado de “Charter Party Bill of Lading”. Lá estão, como dito, os deveres e obrigações das partes. Assim, não há como dizer que um documento que tem um mundo de cláusulas e palavras, estabelecendo direitos e deveres, deve ser chamado de evidência de um contrato. Entendemos que este conceito tem que ser revisto. Ali se define o que se tem e o que se deve fazer.

Até se pode dizer, acreditamos, que um Short Form of Bill of lading seja uma evidência de contrato. Afinal, ele não tem cláusulas, ou não mais do que algumas poucas, definindo as responsabilidades das partes.

Quanto ao container, também tem que ser indiscutível que ele seja um porão móvel. Um navio convencional tem porões e decks, portanto, vários compartimentos, cuja quantidade depende do seu tamanho. Por exemplo, um navio de carga geral tem, mais ou menos, 10/12/15 compartimentos, dados pela combinação entre porões e decks. Claro que pode ser diferente. Um navio com quatro porões, e três decks pode ter 9/10/12 porões, dependendo dos espaços reservados para lastro.

Já um navio porta-container não tem porões, é formado praticamente pelo seu casco, mais bays (baias), divididas em rows (colunas), para “encaixe” das unidades, que são empilhadas. A coordenada dada pela bayrow e tier, por exemplo, bay 5, row 4 e tier 6 forma um slot, espaço para um container, que pode ser para unidades de 20 e de 40 pés. Assim, um navio, por exemplo, com 5.000slots, comporta 5.000 TEU – twenty feet or equivalent unit (unidade de 20 pés ou equivalente), que podem ser compostos por containers de 20 pés (um TEU) ou 40 pés (dois TEU).

Assim, não tendo porões específicos, o container é esse porão. É onde está a carga que é colocada e transportada no navio, que não tem como ser transportada de outra maneira. Quando se retira este container, está se retirando um porão do navio, que é composto de milhares deles. Um container é um equipamento do navio, faz parte dele.

Assim, entendemos que não há como discutir que o container é um porão do navio, uma unidade de carga, removível, para que seja transportado pelo país, indo a/ou voltado da casa do cliente. Um navio não embarca ou transporta carga que não seja em um porão, ou no convés do navio. E, num navio porta-container, esta unidade é o porão do navio.

Samir Keedi

Professor de MBA, autor de vários livros em comércio exterior, transporte e logística, tradutor do Incoterms 2000,membro da CCI-Paris na revisão do Incoterms® 2010.

Analista de Importação Profissional

2 comentários

  • O autor trouxe discussões realmente antigas acerca do Bill of Lading. Incrivel que, até hoje, não se chegou a uma conclusão, ao que me parece. Então, minha opinião, o B/L é um contrato sim, um contrato de adesão. Inclusive seria interessante um artigo sobre este tema, alias dois, um de quem o considera evidencia de contrato e outro de quem o considera um contrato. Alguns consideram o B/L um titulo de credito, porém, minha opinião, um titulo anômalo. Quanto a ser prova de propriedade da mercadoria eu estou de pleno acordo.

    Quanto ao container, tenho uma visão mais ampla. Eu acompanho o que está disposto na Lei 9.611/98 (Lei do Transporte Multimodal). Sim, é unidade de carga e é parte integrante do todo, da cadeia multimodal. Fato: Hoje em dia, o uso do container já não é mais privilégio do Modal aquaviário. Temos exemplos diversos no transporte ferroviário que utiliza containers ISO em combinação com o transporte rodoviário, levando o equipamento até o cliente para que este possa ser cheio e colocado sobre o trem, ou seja, flexibilizando o transporte ferroviário. Nem por isso, podemos assumir que é o pedaço do vagão. E os containers usados atualmente no setor petrolífero, unidades onshore e offshore?. Então, quando falamos de container, não podemos restringi-lo mais ao transporte marítimo. Devemos pensar nas suas diversas possibilidades de uso. Até a Lei 6.288/75 (Lei do Container), expressamente revogada pela Lei 9.611/98 falava que o container era assessório do veiculo transportador, ou seja, não restringia seu uso e não definia o veiculo.

    Essa discussão de que container é porão surgiu nas disputas judiciais de sobreestadias de containers no inicio da década de 90, uma espécie de analogia a demurrage de navio, ja que, na época era novidade as ações de demurrage. Alias, os armadores deram um tiro no pé naquela época, pois perderam muito dinheiro por cobranças prescritas, vez que graças a essa analogia, mal feita na minha opinião, é que o prazo para cobrança ficou, na época, de acordo com o código comercial (01 ano da descarga). Por sorte, a primeira parte do Código Comercial foi revogada pelo Codigo Civil de 2002 e, ao que tudo incida, o prazo prescricional para as ações de demurrage está sendo pacificado em 03 anos a contar da data de devolução. Hoje nem se fala mais em container ser porão de navio, pois o entendimento majoritário é de que a sobreestadia é uma indenização (clausula indenizatória). Uns a consideram clausula penal, mas eu não pactuo dessa opinião.

    Fica a pergunta: E se um armador tem mais containers do que espaço em navios? Como ficaria essa relação? Tem mais porão do que embarcação? Pode isso? Para mim o container é de bem móvel fungível, que pode ser substituído por outro da mesma característica e com a mesma finalidade. Já o porão de um navio não sem a embarcação.

    Vendo os comentários do Sr. Roland, ouso a opinar:

    O Conhecimento Rodoviário acoberta o transporte rodoviário de cargas (intermunicipal, interestadual e o internacional). O CTAC (conhecimento aquaviário) acoberta o transporte marítimo de cabotagem. Assim também existe o Conhecimento Multimodal e o Ferroviário (não me estenderei). Todos documentos fiscais, como se fossem notas fiscais de serviços.

    Já o B/L, acoberta o transporte marítimo de longo curso (internacional), porém não é como os conhecimentos acima relacionados, pois, opinião minha, não é documento fiscal nos moldes dos acima citados. Para mim, o B/L é uma invoice, nesse sentido. No que tange a legislação internacional, por incrível que pareça, o Brasil não assinou as principais convenções internacionais sobre transporte marítimo. Temos agora as Regras de Rotterdam. Pessoalmente, torço para que sejamos signatários.

    Quanto ao uso do container do armador, para mim, assemelha-se a um comodato. No valor do frete contratado, a grosso modo, estão inclusos o transporte e o tempo de utilização do equipamento (free time origem e destino). Não trataria como um aluguel.

  • Boa noite Samir.
    Se me permite comentar, eu ilustraria da seguinte forma para expor o que acho:
    No transporte rodoviario quando o trajeto é intermunicipal, a carreta é acobertada com uma Nota Fiscal que gera uma fatura de prestação de serviços com recolhimentos para a Prefeitura local ( ISS ) – Doc que acoberta aquela circulação de mercadorias.
    Quando é intermunicipal ou Interestadual, além da NF, emitimos o CRTC (Conhecimento de Transporte Rodoviário de Cargas ) que acoberta a circulação de mercadorias gerando recolhimento do ICMS para o Estado de Origem e que as alíquotas variam conforme região de destino.
    Então acredito (não afirmo) que o BL seja o conhecimento que acoberta o transporte maritimo com suas legislações internacionais que confesso não conhecer e que ditam para quem vão os impostos e legalizam esse frete.

    Quanto ao conteiner, sei que um contenedor é um recipiente para acondicionar mercadorias. No caso dos nossos famosos 20 e 40 pés, são para mim como se fossem os cascos antigos de coca-cola, ou atuais garrafas de cervejas que as fábricas fornecem para vender seus líquidos. Bem, O Armador os tem para que os exportadores os aluguem para ovar suas cargas e contratar um local num navio porta-container (fabricado para esse tipo de transporte maritimo), o tal do alocation.
    Portanto o conteiner é um recipiente apropriado para o porta conteiner e não um porão móvel.
    Forte abraço