Se há um enigma que ninguém consegue decifrar na história da construção da matriz de transporte adotada pelo Brasil no século XX esse diz respeito à cabotagem.
Afinal, ninguém consegue entender como um país com cerca de 9 mil quilômetros de costa que acompanham cerca de 50% do seu perímetro territorial e condições favoráveis à navegação durante quase todo o ano nunca tenha investido como deveria no desenvolvimento do transporte de cargas entre portos nacionais.
É verdade que a situação já foi pior. Hoje, embora 48% do transporte de cargas no Brasil ainda sejam feitos por caminhões e carretas, muitos fabricantes e comerciantes já descobriram as vantagens do modal, cujo custo é, em média, 20% mais barato em relação ao rodoviário, além de menos poluente.
Sem contar que oferece maior segurança, pois a bordo a carga não está sujeita a tantos roubos e assaltos como se dá nas rodovias. Nem exige a presença de escolta armada, como ocorre com determinadas mercadorias. Tudo isso acaba por encarecer ainda mais o frete e o seguro.
Levando em conta essas vantagens, muitos empresários vêm optando pela cabotagem que cresce entre 15% e 20% ao ano, principalmente em razão do aumento da produção agrícola brasileira, em especial produtos orgânicos. Hoje, 32 empresas operam cerca de 670 mil TEUs (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés) e 129 milhões de toneladas de cargas a granel, segundo dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).
Mas isso é ainda pouco, principalmente se se levar em consideração que não é só a imensa costa brasileira que pode ser aproveitada, pois há também a possibilidade de navegação no interior do País, com a construção de eclusas nas principais hidrovias e a interligação delas com os portos.
Obviamente, isso exigiria recursos em quantidade superior àqueles que, normalmente, o governo federal costuma dirigir para a área de infraestrutura logística.
Se não está disposto a investir mais, o governo federal pelo menos poderia incentivar a evolução da cabotagem como opção de transporte, permitindo que o setor se beneficiasse de combustível a menor custo. Se no modal rodoviário o diesel consumido recebe incentivo fiscal, isso não se dá no transporte marítimo. Por isso, o preço do bunker, o combustível usado pelos navios, é mais barato para as embarcações de longo curso, que estão isentas de impostos. Portanto, o combustível constitui uma parte extremamente onerosa para o segmento.
Há outro pormenor que não pode passar despercebido em qualquer análise sobre o setor: os encargos trabalhistas sobre as tripulações nacionais. Segundo dados do setor, um tripulante brasileiro custa em média 38% a mais que o tripulante estrangeiro. Ora, tudo isso compromete a competitividade das empresas nacionais.
Mas ainda há outro obstáculo que é gerado pela insensibilidade das autoridades: a burocracia aduaneira. Embora a cabotagem envolva apenas a carga doméstica, os produtos estão sujeitos ao mesmo tratamento dispensado ao transporte de longo curso, o que foge à luz da razão. Tudo isso contribui para aumentar o tempo de entrega da mercadoria.
[epico_capture_sc id=”21329″]Como enfrentam tantos obstáculos, as empresas brasileiras que atuam na cabotagem não crescem como deveriam e, portanto, não constituem um mercado sólido que possa ser aberto para enfrentar a concorrência estrangeira. Se isso ocorresse, o embrião da cabotagem que existe no Brasil, com certeza, morreria em pouco tempo.
Para avançar, portanto, é necessário criar condições para que a indústria naval brasileira venha a produzir os navios que poderiam não só abaixar a idade média da frota nacional que atua nesse mercado, hoje em torno de 18 anos, como aumentar a capacidade de transporte dos armadores. Portanto, é de esperar que o recente interesse do governo pela infraestrutua logística do País chegue também à cabotagem.
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