Primeiramente cumpre destacar que a Lei nº 12.546 de 14 de dezembro de 2011, no seu artigo 25, instituiu obrigação para os residentes e domiciliados no país de prestarem informações ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, relativas às transações entre estes e residentes ou domiciliados no exterior, que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio das pessoas físicas, das pessoas jurídicas ou dos entes despersonalizados.
Para implementar a determinação e registrar as informações foi criado o Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços, Intangíveis e de Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio – Siscoserv.
Além das informações sobre as transações entre residentes ou domiciliados no País e residentes ou domiciliados no exterior que compreendam serviços e intangíveis, o Siscoserv recebe informações sobre as operações de exportação e importação de serviços, intangíveis e demais operações; e às operações realizadas por meio de presença comercial no exterior relacionada à pessoa jurídica domiciliada no Brasil, conforme alínea “d” do Artigo XXVIII do GATS – Acordo Geral sobre Comércio de Serviços -, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 30, de 15 de dezembro de 1994, e promulgado pelo Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994.
Em síntese, o Siscoserv foi criado com o objetivo de acompanhar e avaliar o comércio internacional de serviços. Vale dizer, foi instituído com a finalidade de criar uma base de dados com as informações das transações realizadas e, com estas, estimular a produção de novos serviços, ou aperfeiçoamento dos já existentes.
Pois bem, a Instrução Normativa RFB nº 1.277, de 28 de junho de 2012, que regulamentou a obrigação de prestar informações relativas às transações mencionadas, estipulou que são obrigados a prestar informações:
(i) o prestador ou tomador do serviço residente ou domiciliado no Brasil;
(ii) a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no Brasil, que transfere ou adquire o intangível, inclusive os direitos de propriedade intelectual, por meio de cessão, concessão, licenciamento ou por quaisquer outros meios admitidos em direito;
(iii) a pessoa física ou jurídica ou o responsável legal do ente despersonalizado, residente ou domiciliado no Brasil, que realize outras operações que produzam variações no patrimônio.
Além disso, consideram-se obrigados a prestar informações os órgãos da administração pública, direta e indireta, da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
O dever de prestar informação para o Siscoserv é obrigação de natureza acessória. De fato, existem dois tipos de obrigação: a principal e a acessória. A primeira consiste em obrigação de dar de natureza patrimonial e a segunda de fazer, ou não fazer sem natureza patrimonial.
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Apesar de ser obrigação de natureza não pecuniária, o descumprimento de obrigação acessória geralmente é punido com sanção de cunho econômico. Nesse aspecto, a IN RFB nº 1.277/2012 institui sanções consistentes em multas, na hipótese do sujeito passivo deixar de prestar as informações ou que apresentá-las com incorreções ou omissões. As penas estão previstas no artigo 4º, cuja redação atualizada é a seguinte:
“Art. 4º O sujeito passivo que deixar de prestar as informações de que trata o art. 1º ou que apresentá-las com incorreções ou omissões será intimado para apresentá-las ou para prestar esclarecimentos no prazo estipulado pela RFB e sujeitar-se-á às seguintes multas:
I – por apresentação extemporânea:
a) R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês-calendário ou fração, relativamente às pessoas jurídicas que estiverem em início de atividade ou que sejam imunes ou isentas ou que, na última declaração apresentada, tenham apurado lucro presumido ou tenham optado pelo Simples Nacional;
b) R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) por mês-calendário ou fração, relativamente às demais pessoas jurídicas;
c) R$ 100,00 (cem reais) por mês-calendário ou fração, relativamente às pessoas físicas;
II – por não atendimento à intimação da RFB para cumprir obrigação acessória ou para prestar esclarecimentos nos prazos estipulados pela autoridade fiscal: R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês-calendário;
III – por cumprimento de obrigação acessória com informações inexatas, incompletas ou omitidas:
a) 3% (três por cento), não inferior a R$ 100,00 (cem reais), do valor das transações comerciais ou das operações financeiras, próprias da pessoa jurídica ou de terceiros em relação aos quais seja responsável tributário;
b) 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento), não inferior a R$ 50,00 (cinquenta reais), do valor das transações comerciais ou das operações financeiras, próprias da pessoa física ou de terceiros em relação aos quais seja responsável tributário.
§ 1º Na hipótese de pessoa jurídica optante pelo Simples Nacional, os valores e o percentual referidos nos incisos II e III do caput serão reduzidos em 70% (setenta por cento).
§ 2º Para fins do disposto no inciso I do caput, em relação às pessoas jurídicas que, na última declaração, tenham utilizado mais de uma forma de apuração do lucro, ou tenham realizado algum evento de reorganização societária, deverá ser aplicada a multa de que trata a alínea “b” do inciso I do caput.
§ 3º A multa prevista no inciso I do caput será reduzida à metade, quando a obrigação acessória for cumprida antes de qualquer procedimento de ofício.
§ 4º Na hipótese de pessoa jurídica de direito público, serão aplicadas as multas previstas na alínea “a” do inciso I, no inciso II e na alínea “b” do inciso III, do caput”.
Ocorre que, mesmo havendo descumprimento da obrigação acessória em tela, as multas previstas na IN RFB nº 1.277/2012 são ilegais e inconstitucionais, pois somente a lei pode estabelecer a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas.
Além disso, as multas são excessivas e desproporcionais, ferindo os consagrados princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade, tornando inclusive a multa confiscatória.
A sanção de obrigação acessória deve ter natureza corretiva, pois não tem cunho patrimonial. Destina-se a corrigir equívocos, ou erros formais. Exatamente por isso, a graduação da pena deve ser mais suave do que as demais sanções, pois serve de alerta ou orientação. Trata-se de sanção, cuja graduação tem por finalidade desestimular, ou impedir erros e reorientar o sujeito passivo da relação. A finalidade é educativa e não punitiva com significativo impacto financeiro no contribuinte.
Não se pode dizer que multas no montante de 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento) e de 3% (três por cento) do valor das transações comerciais ou das operações financeiras, próprias da pessoa física ou de terceiros em relação aos quais seja responsável tributário, como ocorre no caso, são meramente corretivas. Não há proporcionalidade entre o ilícito e a penalidade, o que leva à violação ao princípio constitucional da proporcionalidade e do não confisco.
Tampouco pode se considerar multas de R$500,00, R$1.500,00 e R$100,00 por mês calendário ou fração sejam sanções com função reorientadora. Na hipótese é absolutamente descabida a aplicação de multas sucessivas pelo mesmo fato. De fato, a aplicação de multas dessa forma pode levar a aplicação de sanção pecuniária desproporcional que pode atingir R$18.000,00 em um ano.
VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Os princípios constitucionais são regras que servem de baliza para a interpretação das demais normas jurídicas. Direcionam os aplicadores da lei e servem de orientação para a interpretação de outras normas, vale dizer, são a base do sistema jurídico.
A imposição de multas pelo Poder Executivo somente é admissível por meio de lei, caso contrário, ocorre violação ao princípio constitucional da legalidade previsto nos artigos 5º, II e 37, da Constituição Federal, bem como nos artigos 2º e 53 da Lei nº 9.784/99 e ainda, no artigo 97, V do CTN.
Dispõe o artigo 5º, II, da Constituição Federal “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” Por outro lado, o artigo 37 da Carta Maior determina que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
No âmbito infraconstitucional, a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que trata sobre as regras gerais do processo administrativo federal, repete no seu artigo 2º o teor do artigo 37 da Constituição Federal e determina no seu artigo 53 que “a Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”.
Na esfera tributária, o artigo 97, V, do CTN determina que “somente a lei pode estabelecer a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas”.
Por sua vez, o artigo 84, IV, da Constituição e o artigo 99 do CTN, determinam que os decretos destinam-se à fiel execução das leis, sendo inválidos naquilo em que extrapolarem o comando legal. Ora, se os decretos serão inválidos se extrapolarem a determinação contida na lei, com muito mais razão serão inválidos, nas mesmas circunstâncias, as instruções normativas da Receita Federal, atos administrativos hierarquicamente inferiores aos decretos, se estipularem sanções sem autorização da lei.
Isto é assim, pois qualquer norma emanada da Administração que implique na criação de limites à liberdade pessoal ou patrimonial dos administrados, que não estiver respaldada em expressa autorização legal, será de todo inválida. Vale dizer, estando submetidos ao princípio da legalidade, todos os elementos necessários à instituição penalidades devem ser fixados por lei.
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Como bem adverte Celso Antônio Bandeira de Mello, nem mesmo por delegação legislativa pode o Poder Executivo “incluir no sistema positivo qualquer regra geradora de direito ou obrigação novos” [2]
As multas instituídas pela IN RFB nº 1.277/2012 não foram estabelecidas por lei, mas por mera instrução normativa, com absoluta violação ao princípio da legalidade da tributação, criando exigência é inconstitucional.
De se salientar que, a Receita Federal justifica a instituição das multas do Siscoserv, com base no artigo 16 da Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999, que tem a seguinte redação:
“Art. 16.Compete à Secretaria da Receita Federal dispor sobre as obrigações acessórias relativas aos impostos e contribuições por ela administrados, estabelecendo, inclusive, forma, prazo e condições para o seu cumprimento e o respectivo responsável”.
Contudo, mesmo que se pudesse admitir que uma lei pudesse delegar para a Receita Federal a instituição de penalidades, ainda assim, o referido artigo não se aplica ao caso concreto, porque:
- Está autorizando a Receita Federal a dispor sobre obrigações acessórias, nada mencionando sobre sanções.
- As obrigações acessórias indicadas pelo artigo 16 são relativas a impostos e contribuições administrados pela Receita Federal. Ocorre que, as multas previstas na IN RFB nº 1.277/2012 não tem relação alguma com pagamento de tributos, mas com a obrigação de prestar informações para fins econômico-comerciais ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior relativas às transações entre residentes ou domiciliados no País e residentes ou domiciliados no exterior que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio das pessoas físicas, das pessoas jurídicas ou dos entes despersonalizados.
Isso fica bem claro quando se vê a dicção do artigo 26 da Lei nº 12.546 de 14 de dezembro de 2011, que trata do Siscoserv e menciona que, as informações prestadas “serão utilizadas pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior na sistemática de coleta, tratamento e divulgação de estatísticas, no auxílio à gestão e ao acompanhamento dos mecanismos de apoio ao comércio exterior de serviços, intangíveis e às demais operações, instituídos no âmbito da administração pública, bem como no exercício das demais atribuições legais de sua competência”.
VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Ainda que se pudesse admitir que as multas previstas no artigo 4º e incisos da IN RFB nº 1.277/2012 fossem válidas, mesmo assim as penalidades estão eivadas de inconstitucionalidade, por violação ao princípio da proporcionalidade.
Apesar da Constituição Federal não contemplar expressamente o princípio da proporcionalidade, a doutrina e a jurisprudência são unânimes no sentido de que se trata de princípio constitucional implícito, cuja finalidade é tornar possível o controle de constitucionalidade relativamente ao excesso de poder legislativo. A sua força vem da dicção do artigo 5º, § 2º que dispõe que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados”.
O princípio da proporcionalidade “tem dignidade constitucional na ordem jurídica brasileira, pois deriva da força normativa dos direitos fundamentais, garantias materiais objetivas do Estado de Direito. É haurido principalmente da conjugação dos arts. 1º, III, 3º, I; 5º, caput, II, XXXV, LIV e seus §§ 1º e 2º; 60, § 4º, IV. Nesse sentido, complementa o princípio da reserva de lei, a ele incorporando-se, de modo a converter-se no princípio da reserva legal proporcional.”[4]. As normas não devem ser arbitrárias. Uma norma é desproporcional quando o fato que a fundamentou não tem coerência com a medida tomada, ou se existente alguma relação lógica, não há proporção de equilíbrio entre o fato e a medida. A semente do princípio da proporcionalidade reside em assegurar à liberdade em face dos interesses da Administração Pública.
Pois bem, as normas legais que instituíram as multas em questão ferem a Constituição Federal por violação manifesta ao princípio da proporcionalidade. A multa, como sanção, não pode ser desvinculada ao “valor” do bem violado pela conduta de descumprimento da norma. E no caso, o dever violado de natureza formal não tem possibilidade de causar prejuízo aos cofres públicos.
A característica da penalidade pelo descumprimento de obrigação acessória, como no caso em análise, é meramente de caráter disciplinar, pois não objetiva o recolhimento de tributo, mas corrigir comportamentos. As normas que atribuem sanções por descumprimento de obrigação acessória têm sua razão de ser na medida em que pretendem facilitar o controle pela fiscalização no que se refere ao recolhimento de tributo ou controles sobre operações com o exterior.
E tendo em vista que o descumprimento da obrigação acessória não causa prejuízo de natureza pecuniária ao Poder Público, a graduação da multa deve igualmente ser compatível com a natureza da infração.
Luciano Amaro ensina que “a multa não pode ser transformada em um instrumento de arrecadação; pelo contrário, deve-se graduar a multa em função da gravidade da infração, vale dizer, da gravidade do dano ou da ameaça que a infração representa para a arrecadação de tributos” [6].
Aplicando esta lição para as multas relacionadas ao Siscoserv, verifica-se que as sanções são tão elevadas que são aptas a alcançar o objetivo da adequação, no sentido de desestimular a falta da entrega das informações relativas às transações realizadas entre residentes ou domiciliados no Brasil e residentes ou domiciliados no exterior que compreendam serviços, intangíveis.
Apesar disso, as multas em análise não atendem ao requisito da necessidade, na medida em que o mesmo objetivo poderia ser atendido com igual eficácia com sanção menos onerosa.
Por fim, a violação à proporcionalidade é evidente, visto que as infrações objeto das multas: (i) não tem vínculo com o valor das transações comerciais ou das operações financeiras; (ii) não podem ser aplicadas sucessivamente pelo mesmo fato, eternizando a infração. Estes fatos tornam injustificada a imposição das sanções em comento, que podem atingir valores absurdos, ainda mais quando se considerar que sequer se trata de obrigação relativa à dívida, mas sim de obrigação acessória que não tem consequência pecuniária e nem traz prejuízo ao Erário.
De fato, as multas por descumprimento de obrigação acessória de natureza formal não podem ser aplicada sucessivamente pelo mesmo fato e tampouco podem guardar relação direta com o valor da operação. A pena deve ser proporcional ao dano causado. Jamais a penalidade pode guardar proporção ao valor do negócio, pois a gravidade da “falta” não tem vínculo com o montante da operação.
Assim, a exigência das multas em questão violam o princípio da proporcionalidade e são incompatíveis com o sistema jurídico brasileiro.
ÀS INFRAÇÕES CONTINUADAS DEVE SER APLICADA APENAS UMA SANÇÃO
Não bastasse a ilegalidade e a desproporcionalidade das multas, o artigo 4º da IN RFB nº 1.277/2012, nos seus incisos I e II, institui diversas multas por infrações da mesma origem. Tratam-se de penas sequenciais, para punir o mesmo fato.
Vale dizer, a IN RFB nº 1.277/2012 impõe uma penalidade relativa a cada mês calendário ou fração, desconsiderando que, se houver infração, ela será una. Tal imposição é inaceitável, pois infração da mesma origem deve ser considerada como infração continuada à qual se aplica penalidade única, pois atingem o mesmo bem tutelado e têm idêntico fundamento fático, acarretando conduta de feição sequencial.
De fato, quando há várias condutas violadoras do mesmo valor jurídico, com o mesmo fundamento fático, apenas uma penalidade pode ser aplicada. Trata-se de continuidade de um mesmo comportamento, o que acarreta a existência de apenas uma infração, pois não se justifica a cominação indiscriminada de penalidades, multiplicadas pelo número de vezes em que o contribuinte permaneceu inadimplente em prestar informações.
Nesse sentido tem decidido o CARF:
“CPMF. DECLARAÇÃO TRIMESTRAL E MENSAL. MULTA POR ATRASO NA ENTREGA. A entrega das declarações de CPMF após o prazo legal enseja a aplicação da multa prevista no art. 11, § 2º, da Lei n° 9.311/96. MULTA. GRADAÇÃO. INFRAÇÃO CONTINUADA. A infração pela falta de entrega de declaração de CPMF é única, devendo ser desta forma considerada para fim de aplicação da penalidade. Não é admissível, ou existente em nosso ordenamento jurídico, a imposição de multas indefinidas, sem limitação de valor (Acórdão 201-80 745, Rel. Cons. Fabiola Cassiano Ermidas, j. 20.112007). (…)”(CARF 3a. Seção / 3a. Turma da 4a. Câmara / ACÓRDÃO 3403-00.266 em 17/03/2010, Publicado no DOU em: 19.07.2011)
“ASSUNTO: IPI DIF – PAPEL IMUNE – MULTA REGULAMENTAR -FALTA DE ENTREGA DE DECLARAÇÃO TRIMESTRAL – MP N° 2.158-35 (ART.57) – INFRAÇÃO CONTINUADA – CUMULAÇÃO E MULTIPLICAÇÃO DE PENALIDADES PELO NUMERO DE MESES EM QUE A AUTUADA PERMANECEU INADIMPLENTE INADMISSIBILIDADE – PRINCÍPIOS DA INFRAÇÃO CONTINUADA E DA RAZOABILIDADE. A multa de R$ 5.000,00 prevista para cada infração à obrigação formal (falta de declaração), não pode ser aplicada cumulativamente, multiplicada pelo número de meses em que a RECORRENTE permaneceu inadimplente nas informações trimestrais que deveria prestar, vez que as infrações apresentam-se de forma sequencial, ferindo o mesmo objeto da tutela jurídica e guardando afinidade com igual fundamento fálico, o que as caracteriza como comportamento de feição continuada, sujeitando-as a uma única sanção por período trimestral em que foi verificada a falta. A sequência de várias infrações apuradas em uma única autuação caracteriza a chamada infração de natureza continuada , com aplicação de uma única multa agravada fixada para trimestre especifico em que se constatou a falta de apresentação de Declaração. Precedentes do STJ”(CARF 3a. Seção / 2a. Turma da 4a. Câmara / ACÓRDÃO 3402-00.754, Publicado no DOU em: 24.03.2011)
DA DENÚNCIA ESPONTÂNEA NO CASO DO SISCOSERV
A chamada denúncia espontânea está capitulada no artigo 138 do Código Tributário Nacional CTN, nos seguintes termos:
“Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração”.
Como se vê, a denúncia espontânea consiste, como o próprio nome diz, em auto denúncia, confissão, ou seja, o sujeito passivo, antes do início de qualquer fiscalização, notificação ou procedimento fiscal, pode assumir e regularizar junto ao Fisco suposta infração com eventuais recolhimentos e regularizações das obrigações que deixaram de ser realizadas. A iniciativa do sujeito passivo tem o condão de impedir a aplicação de multas.Caso já tenha ocorrido qualquer tipo de fiscalização, notificação ou procedimento, não há que se falar em denúncia espontânea.
Trata-se de norma, “absolutamente consentânea com uma estrutura tributária incapaz de proceder à fiscalização efetiva de todos os contribuintes e que precisa, (….) estimular o cumprimento espontâneo das obrigações tributárias, seja tempestivamente, seja tardiamente”[8].
Segundo Ricardo Alexandre, o termo “infração” é o fato jurídico ilícito, decorrente do não adimplemento do dever jurídico prescrito na norma tributária. Por tais razões é que a nomenclatura “denúncia espontânea” é considerada inapropriada, uma vez que “ninguém denúncia a si mesmo, mas confessa ilícitos cometidos” [10].
Assim, em que pese a denúncia espontânea de infrações ser instituto consagrado no direito tributário brasileiro e caracterizar-se por ser uma espécie de benefício previsto em lei para aqueles contribuintes que descumprem por algum motivo as obrigações tributárias e se denúnciam, a mesma não tem sido admitida para afastar multas decorrentes de obrigações acessórias, como no caso do Siscoserv.
Apesar das decisões em sentido contrário do Superior Tribunal de Justiça, entendemos que a denúncia espontânea tem o condão também de afastar as multas de natureza acessória previstas na IN RFB nº 1.277/2012, que se aplicam na hipótese do sujeito passivo deixar de prestar as informações ao Siscoserv, ou que apresentá-las com incorreções ou omissões.
De acordo com o artigo 113 § 2º do Código Tributário Nacional: “A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.”
Relembrando, o Código Tributário Nacional chama de acessória a obrigação tributária que não possui natureza pecuniária, são as obrigações de fazer ou não fazer, no interesse da fiscalização ou na arrecadação dos tributos. Já as obrigações tributárias principais possuem natureza pecuniária e se caracterizam por uma obrigação de dar.
Por sua vez, o artigo 138 do Código Tributário Nacional, aduz que “a responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora”.
A expressão “se for o caso” deixa claro que é possível aplicar a denúncia espontânea mesmo em hipóteses em que não haverá pagamento de tributo, ou seja, quando há obrigações formais de cunho acessório.
Hugo de Brito Machado adota essa linha de pensamento aduzindo: “Como a lei diz que a denúncia há de ser acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido, resta induvidoso que a exclusão da responsabilidade tanto se refere a infrações das quais decorra o não pagamento do tributo como as infrações meramente formais, vale dizer, infrações das quais não decorra o não pagamento do tributo”[12].
De fato, o termo “se for o caso” inclui no que diz respeito à denúncia espontânea as obrigações acessórias, mesmo porque, esta espécie de dever não agrega o recolhimento de dinheiro em espécie aos cofres públicos, somente gera a aplicação de pena pecuniária após o inadimplemento.
Ademais, não se pode olvidar que existem obrigações acessórias, como as decorrentes do dever de prestar informações no Siscoserv, que se não atendidas implicam na aplicação de multas exorbitantes. Se o sujeito passivo não tiver benefício em denúnciar a infração não o fará, pois, fazendo a denúncia, chamaria para si aplicação da multa pelo descumprimento da obrigação acessória.
Embora o entendimento do Superior Tribunal de Justiça seja no sentido de que a denúncia espontânea não tem o condão de afastar a multa decorrente do atraso na entrega de obrigação acessória ou documento assemelhado, em face da autonomia das obrigações acessórias em relação à obrigação principal, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região vem decidindo de forma diversa.
Eis um excerto do voto do eminente Des. Federal Wellington de Almeida, quando do julgamento da AC nº 200472000079029/SC, julgado em 13/04/2005:
“Outrossim, a exclusão da multa fiscal aplica-se tanto ao descumprimento de obrigação principal como de obrigação acessória, visto que o art. 138 do CTN não faz qualquer alusão à natureza da infração. Se o legislador não discriminou quais as infrações que seriam afastadas pela denúncia espontânea, aplica-se indistintamemnte o instituto, seja a infrações de natureza substancial, seja de natureza formal. Outra conclusão não se afigura razoável, ante a ressalva que fez o art. 138, ao excluir a responsabilidade pela denúncia espontânea da infração, “acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido” (grifei). No caso de infrações formais, não há falar em pagamento do tributo, porque o que foi descumprido é justamente uma prestação positiva ou negativa (obrigação de fazer), exigida pelo Fisco no interesse da apuração e fiscalização, que precede à satisfação da obrigação principal. O pagamento do tributo é exigido somente nas infrações substanciais, porque faz parte da própria obrigação, que é satisfazer o crédito tributário.”
Tendo-se em mente que o inadimplemento de obrigação acessória constitui infração tributária, o seu cumprimento fora do prazo legal, mas anterior a procedimento fiscalizatório, enseja o reconhecimento da denúncia espontânea.
Nesse sentido, outras decisões do Tribunal Regional Federal da Quarta Região:
“TRIBUTÁRIO. AÇÃO ORDINÁRIA. ATRASO NA ENTREGA DA DCTF. MULTA. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. RECONHECIMENTO
1. A denúncia espontânea tem o condão de afastar a multa decorrente do atraso na entrega do DCTF, uma vez que o inadimplemento de obrigação acessória constitui infração tributária. Assim o seu cumprimento fora do prazo legal, mas anterior a procedimento fiscalizatório, enseja o reconhecimento da denúncia espontânea.
2. Apelação improvida”. (AC nº 2000.70.03.002606-6/PR, Juiz Federal Artur César de Souza, 1ª Turma, decisão unânime, DJU do dia 18.01.2006)
“TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ATRASO NA ENTREGA DA DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS DA PESSOA FÍSICA. MULTA. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. RECONHECIMENTO. 1 – A denúncia espontânea tem o condão de afastar a multa decorrente do atraso na entrega da declaração de rendimentos ou documento semelhante, uma vez que o inadimplemento de obrigação acessória constitui infração tributária. Assim o seu cumprimento fora do prazo legal, mas anterior a procedimento fiscalizatório, enseja o reconhecimento da hipótese do art. 138 do CTN, mesmo porque indigitado dispositivo legal exige o acompanhamento do pagamento integral do tributo por ocasião da denúncia voluntária, se for o caso”. (AMS 2002.71.10.005797-5/RS; Rel. Des. Fed. Álvaro Eduardo Junqueira, in DJ 14/06/06).
Por fim, em que pese a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário à denúncia espontânea nas obrigações acessórias, de rigor o debate e questionamentos, sem prejuízo da busca de eventuais nulidades dos autos de infração e imposição de excessivas multas lavrados em total ofensa ao principio da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade.
[2] Cfr. J. J. Gomes Canotilho, “Direito Constitucional”, 1995, 6ª ed., Almedina, Coimbra, p. 791.
[6] Cfr. Helenilson Cunha Pontes, “O Princípio da Proporcionalidade e o Direito Tributário”, São Paulo, Dialética, 2000, p. 140/142.
[7] Cfr. Leandro Paulsen.Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência.10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 962.
[12] Cfr. Leandro Paulsen.Direito Tributário– Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 9.ed. São Paulo: Livraria do Advogado, 2007, p. 992.
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