O despacho aduaneiro é um procedimento fiscal ao qual toda mercadoria proveniente ou destinada ao exterior deve ser submetida. Tem por finalidade a verificação da precisão dos dados declarados pelo importador ou exportador em relação à mercadoria importada ou exportada.
O despacho de importação se inicia com o registro da Declaração de Importação (D.I.) no Siscomex, que será parametrizada para um dos canais de conferência aduaneira: verde, amarelo, vermelho ou cinza.
Se parametrizada para o canal verde, haverá o desembaraço automático da mercadoria. Se para o amarelo, será realizado exame documental. Se distribuída para o vermelho, será desembaraçada após exame documental e físico da mercadoria.
Contudo, se parametrizada para o canal cinza, prevê a Instrução Normativa SRF nº 680/2006 que deverá ser realizado exame documental e verificação da mercadoria, além de aplicação de procedimento especial de controle aduaneiro, para analisar elementos indiciários de fraude.
Desde a sua criação, em 1998, o canal cinza vem sendo cada vez mais utilizado pela Receita Federal do Brasil. Contudo, a Autarquia vem selecionando importações para o canal cinza sem se atentar para as normas e princípios constitucionais em vigor, tampouco para as próprias Instruções Normativas por ela expedidas.
O procedimento administrativo previsto em caso de canal cinza poderá ter duração de 90 dias, prorrogáveis por mais 90 dias, sendo que, durante esse período, a carga importada permanece retida. O procedimento é aplicado mesmo que se trate de importação de mercadoria perecível.
Importante ressaltar a gravidade da retenção para empresas que promoveram a importação, que assumiram compromisso com o exportador no exterior, e que ainda amargarão sérios danos com os altos valores de armazenagem durante o período de apreensão. Acrescente-se, ainda, a impossibilidade de honrar com os contratos comerciais com clientes, sujeitando muitas vezes a empresa ao pagamento de multa contratual, perda de licitação, etc.
O fato de o Fisco tratar os importadores como inimigos públicos, sempre os rotulando de sonegadores, tem inclusive prejudicado a imagem do Brasil na comunidade internacional, vez que a apreensão de mercadorias provoca muitas vezes o atraso ou não pagamento ao exportador no exterior.
Não raro, a RFB seleciona a mercadoria para o canal cinza e não instaura o procedimento especial de controle. Muitas vezes também é extrapolado o prazo de 180 dias e a mercadoria permanece retida.
Utiliza ainda a Autoridade Aduaneira, o canal cinza de forma indiscriminada, parametrizando o próprio importador para o referido canal, paralisando automaticamente todas as importações da empresa, impedindo-a de continuar a sua atividade econômica. Repita-se: tudo por uma mera suspeita.
Em caso semelhante, em que o canal cinza estava sendo utilizado de forma indiscriminada, assim se pronunciou o TRF da 1ª Região:
“Embora a atuação da autoridade fiscal possa ocorrer de ofício, in casu, de acordo com os autos, vislumbro, em especial na documentação referente ao Procedimento Criminal, que os indícios que levaram a participação da empresa agravante nas supostas fraudes não são suficientes a justificar a conduta do Fisco em reter TODAS suas operações no canal cinza.
A pretensão da empresa de não ter suas Declarações de Importação direcionadas para o canal cinza não implica na impossibilidade de fiscalização, assim como não há justificativa hábil para que tal canal de conferência aduaneira seja utilizado indiscriminadamente, como, no presente caso, inviabilizando a concretização das operações de importação e exportação da agravante.
O procedimento especial realizado na conferência aduaneira denominada canal cinza demanda longo período de tempo — 90 dias prorrogáveis por mais 90 —, inviabilizando e prejudicando sobremaneira o regular funcionamento da empresa, sem que haja, a princípio, fundados indícios de eventual prática de fraudes pela agravante.
O periculum in mora decorre, evidentemente, do fato de que a agravante está totalmente impossibilitada de dar prosseguimento às suas atividades, nem cumprimento a seus contratos, uma vez que as mercadorias importadas estão automática e indistintamente sendo retidas pela fiscalização.
Ante o exposto, defiro parcialmente o pedido de atribuição de efeito suspensivo ativo, para determinar que as futuras importações realizadas pela agravante sejam submetidas à parametrização do canal vermelho de conferência aduaneira, desde que, para cada situação concreta, não haja fundamentos suficientemente hábeis a conduzi-las ao canal cinza, nos termos expressos na IN 206/2002, em consonância com a MP 2.158/2001.” (Desembargadora Maria do Carmo Cardoso, nos autos do Agravo de Instrumento n° 2008.01.00.064121-6)
Os procedimentos especiais de controle aduaneiro existentes atualmente são os previstos na IN 206/2002 e na IN 228/2002. A IN 206 dispõe sobre instauração de procedimento especial por suspeita de irregularidade punível com pena de perdimento, e a IN 228 por suspeita quanto à origem dos recursos aplicados em operações de comércio exterior e combate à interposição fraudulenta de pessoas.
[epico_capture_sc id=”21329″]Note-se que a norma que prevê a parametrização para o canal cinza fala em elementos indiciários, e as instruções normativas que disciplinam os procedimentos especiais de controle se referem a “suspeita”. Ora, presunções, suspeitas e indícios não podem servir de fundamento para obstar as atividades dos importadores, pois, afinal, estamos em um Estado Democrático de Direito, cujos cidadãos têm direito ao devido processo legal e ampla defesa. Com efeito, não se mostra razoável que meras suspeitas tenham o poder de paralisar a atividade econômica da empresa.
O Professor Roque Antônio Carrazza, ao lecionar sobre o assunto, adverte:
“Nenhuma prova tem sido tão combatida e abalada, ao longo dos séculos, como o indício (prova indiciária ou circunstancial).
A noção de indício vem indissoluvelmente associada à operação mental de inferência. Com base nele chega-se, pela via do raciocínio, a uma conclusão.
Só que, sob o prima da certeza ou convencimento, o indício nunca leva a uma conclusão absolutamente segura. De fato, a mais alta probabilidade de certeza não exclui possa haver o erro.
(…)
A necessidade de proteger a Fazenda Pública da eventual má-fé do contribuinte não basta para permitir a utilização acriteriosa de indícios contra ele, até porque isto fatalmente atropelaria os princípios constitucionais tributários que o protegem.
Não havendo certeza quanto aos fatos, nem o tributo pode ser exigido nem, muito menos, a sanção fiscal pode ser aplicada. Noutros termos, os indícios não exoneram a Fazenda Pública do onus probandi” – (Curso de Direito Constitucional Tributário, 15ª Edição, Revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 28/2000, Malheiros Editores Ltda, p. 332 e 333).
Também não se mostra razoável impor ao importador apreensão de mercadoria até 180 dias, sob pena de infringir o princípio do devido processo legal, da proibição do confisco, do direito de propriedade e do livre exercício profissional.
A RFB pode liberar a mercadoria e dar continuidade à fiscalização que entender necessária. A retenção só se justifica para fins de fiscalizar e fazer perícia na mercadoria importada, não sendo necessário para tanto, 90 ou 180 dias. Após, nada impede que seja instaurado o devido processo legal administrativo, intimado o importador, e liberada a mercadoria.
A Secretaria da Receita Federal, no âmbito da sua competência, deve, sem dúvida, fiscalizar, investigar e controlar as operações de comércio exterior no intuito de coibir ações fraudulentas. Entretanto, os meios utilizados pela Administração devem estar em consonância com os ditames constitucionais, devendo a cobrança de tributos, assim como os procedimentos de fiscalização, ser promovida através do meio próprio, sem impedir direta ou indiretamente a atividade profissional do contribuinte.
Dessa forma, as empresas que sofrerem parametrização para o canal cinza, e apreensão de suas mercadorias importadas, devem recorrer ao judiciário, visando afastar o ato arbitrário e fazer prevalecer os princípios constitucionais vigentes.
Concordo plenamente com o posicionamento da professora, entretanto gostaria de saber, que quando identificado uma atitude como esta da Receita, o que uma pessoa com esta formação e discernimento faz?Aqui em Curitiba, os auditores solicitam até a quebra de sigilo bancário de empresas e pessoas físicas para uma suposta verificação. Obviamente sem amparo legal, já que o Supremo Tribunal Federal proibiu esta pratica. Quando profissionais da área vão denunciar estes abusos?Contamos apenas com a justiça?Não nos mobilizamos?
Não entrego nenhum dado bancário que não seja por meio de ordem judicial.
Quebra de sigilo sem aval da justiça e sem motivo que o justifique, é crime de arbitrariedade! Não podemos tolerar isso do Executivo! A RFB deve fiscalizar os AFRFB espalhados pelo Brasil! Isso sim!