A Cabotagem no Mundo
É bastante trivial nos artigos relacionados ao transporte de Cabotagem no Brasil a constatação de que, num país com dimensões continentais, com uma faixa litorânea de quase 7.500 km e onde cerca de 80% da população vive a menos de 200 km da costa, esse tipo de transporte deveria ocupar um papel muito mais importante em nossa matriz de transporte. Além do custo mais baixo, o modal também é mais seguro, ecologicamente mais correto e menos sujeito a avaria do que seu principal concorrente, o caminhão. Ainda assim, de acordo com dados da Antaq, a Cabotagem brasileira sustentou de forma consistente ao longo da última década uma taxa de crescimento superior a dois dígitos e, atualmente, para cada quatro containers movimentados nos portos brasileiros, um é de cabotagem – o que significa cerca de 2,3 milhões de Teus movimentados em 2015. Parte dessa constatação de que a Cabotagem no Brasil ainda está longe de ter atingindo todo o potencial desse modal deriva de comparações feitas com outros países de extensão igualmente continental, notadamente, Estados Unidos e China. Nesses países, é notadamente sabido que se movimentam volumes muito superiores aos brasileiros, muito embora seja um desafio bastante grande encontrar dados públicos, consistentes e precisos referentes ao volume movimentado pela cabotagem em 2015 nesses países. [epico_capture_sc id=”21683″] As principais semelhanças entre a cabotagem no Brasil e nos demais países do mundo incluem o fato de, invariavelmente, ser um setor altamente regulamentado e protegido, algo que acontece sob o argumento de “proteger a indústria naval doméstica da concorrência estrangeira, preservar os ativos de transporte marítimo nas mãos locais para fins de segurança nacional e maximização da segurança em águas territoriais”. Nos Estados Unidos, a chamada “Jones Act” é uma lei federal de 1920 que regulamenta o transporte marítimo no país e tem por objetivo a promoção e manutenção da marinha mercante americana. Em sua “seção 27” a Lei trata da cabotagem e exige que todas as mercadorias transportadas pela água entre os portos dos EUA o sejam em navios com bandeira dos EUA, construído nos EUA, de propriedade de cidadãos norte-americanos, e tripulados por cidadãos americanos ou residentes permanentes dos EUA. Contudo, já existe um forte lobby no Congresso para que se flexibilize a legislação, sob a alegação de que essa rigidez da lei encarece o custo de transporte, além de reduzir o volume de carga e de escalas. De modo geral, em favor da manutenção da lei está o Partido Democrata, apoiado pelas centrais sindicais, e do outro o Partido Republicano. Na China, a legislação também é bastante restritiva, porém, recentemente, o governo adotou algumas medidas liberalizantes, visando o incremento dos transbordos dentro do território do país. No último dia 20 de abril, o Conselho de Estado da China liberou alguns terminais portuários a receber navios de bandeira estrangeira na movimentação de cargas domésticas. Uma das grandes expectativas dessa medida é de que o porto de Hong Kong (atualmente fora do alcance da regulamentação por se tratar de uma “Região Administrativa Especial”) perca boa parte de sua movimentação portuária para os demais portos chineses, especialmente para Xangai. Já na Índia, a cabotagem é igualmente protegida por uma Lei, esta de 1958, segundo a qual, à semelhança do que ocorre aqui no Brasil, somente é possível autorizar o transporte em navios estrangeiros na ausência de tonelagem local disponível (o chamado “waiver”). As recentes reformas econômicas liberalizantes da Índia têm aumentado de forma significativa a demanda por transporte, a qual acaba sendo basicamente atendida por estradas e ferrovias, cabendo ao modal marítimo uma fatia de apenas 8 a 9%. Para continuar acompanhando o crescimento da demanda por transporte, o Diretor Geral de Navegação do país fez a seguinte recomendação num documento preliminar de reforma da legislação marítima: “uma abordagem diferenciada em relação a carga de transbordo exigirá sua abertura para bandeiras estrangeiras, a fim de aumentar a containerização e respectiva infraestrutura”. A Malásia, por sua vez, relaxou sua legislação de cabotagem já em 2009, e o resultado imediato foi um aumento no tráfego de containers em torno de 50%. Graças a isso, hoje, o porto malaio de Tanjung Pelepas é visto como uma ameaça ao vizinho Porto de Cingapura, e um forte gerador de receitas para o governo local. Interessante notar é que se trata de um porto novo, inaugurado em 2000, e que, em 2015, atingiu a impressionante marca de 9,1 milhões de Teus – o mesmo volume movimentado na soma de todos os portos brasileiros em 2015. Já o Código do Transporte Marítimo Mercante da Federação Russa igualmente determina que a navegação entre portos no país esteja restrita a navios nacionais, porém atendendo a certos requisitos. Tanto o governo quanto a Federação Russa autorizam o transporte de cabotagem em navio de estrangeiro. Na contramão de medidas ou discussões sobre a liberalização da cabotagem está a Indonésia, onde o transporte entre portos era relativamente livre no passado, mas passou a ser regulamentado e protegido a partir de 2005. Após um “giro pelo mundo”, fica claro que a regulamentação e proteção do mercado de cabotagem não é uma invenção e tampouco um “privilégio” do Brasil, assim como as discussões entre grupos contrários e a favor das leis que restringem a cabotagem a transportadores nacionais. De qualquer maneira, por se tratar de um setor bastante carente de informações, seria muito interessante se os demais países passassem a publicar de forma regular e transparente seus dados de cabotagem, até como uma maneira de fomentar sua utilização, para que possamos melhorar a assertividade das nossas análises e benchmarks. * em co-autoria com LEANDRO BARRETO.
O custo da intermodalidade para cargas de projeto
Em um artigo anterior, foi abordado o tema de cargas de projeto por cabotagem,identificando alguns dos desafios, modos de contratação e operadores disponíveis. Com um pouco de avanço prático, qual seria a esperada reação de um embarcador que, após exaustivas idas e vindas com os fornecedores de transporte rodoviário, intermodal ou marítimo de cabotagem, além de contatos com outros fornecedores no processo, constatasse que o custo da intermodalidade, em relação ao transporte cem por cento rodoviário, é entre cinquenta e sessenta por cento mais elevado? Poder-se-ia deduzir que houve engano, arbitrariedade no estabelecimento de valores, que os custos são efetivamente muito elevados ou mesmo falta de interesse em desenvolver o modal intermodal e a cabotagem de cargas de projeto em particular.Isso mesmo, cinquenta a sessenta por cento mais alto! Em outro texto, comentava-se que a sustentabilidade logística começa pelo bolso o argumento era de que não adianta pregar o uso do transporte mais sustentável e amigável ao meio-ambiente, se esse não traz a competitividade econômica necessária. [epico_capture_sc id=”21683″] Não se está falando de um trajeto marítimo curto ou de pontos de origem e destino distantes do porto. O trajeto em questão fica a mais de 3.000 quilômetros de distância a menos de 200 quilômetros do porto mais próximo na origem e destino. O que justificaria um custo de transporte, usando a combinação da cabotagem, tão mais elevado que o rodoviário? Na avaliação e uso do transporte intermodal, percebem-se itens como espera para atracação e que transfere custos diários de detention do navio para o contratante e um custo de operação portuário elevadíssimo em ambas as pontas. Claro, o armador vai elencar os custos elevados de bunker (ainda que seu preço internacional tenha caído 50% nos últimos meses), a incidência de ICMS sobre o mesmo, o elevado gasto com tripulação, etc., etc. O resumo dessa ópera, por enquanto, é que não é viável a contratação da cabotagem para as cargas de projeto nas condições verificadas. Não há argumento que justifique um fabricante de itens de alto valor agregado, entregar um percentual grande do eventual resultado do seu negócio para um modal de transporte alternativo pela simples “falta de concorrência”. A concorrência é o modal rodoviário. Isso é bem diferente da leitura e prática dos três operadores de cargas em contêineres que sabem que para tirar a carga da rodovia, devem apresentar custos mais baixos que o modal rodoviário no trajeto da origem ao destino final. Esses ganhos são reais para o embarcador na ordem de 10 a 30%. Para uma mente esperançosa e positiva, esse quadro vai se ajustar ao longo do tempo. Por enquanto é trabalhar na logística economicamente viável.
Cargas de projeto por cabotagem
Se a cabotagem para produtos conteinerizados ainda é tema que merece continuada atenção no sentido de orientar o potencial usuário para as melhores práticas, itens com excesso de tamanho e peso são um livro à parte. Ainda que de maneira lenta, o Brasil vem recebendo investimentos em infraestrutura, em especial para energia, saneamento e logística, onde equipamentos e peças superdimensionadas e com excesso de peso precisam chegar ao canteiro de obras, dentro de um determinado prazo. O desafio é grande e o desconhecimento de causa tem igual proporção. O ambiente é novo até mesmo para alguns dos operadores de cargas de projeto por cabotagem. Não poderia ser diferente. Há a necessidade de desmistificar e ensinar o potencial usuário, de forma honesta, para que possa fazer sua escolha, comparando a intermodalidade, ou seja, a combinação do modal rodoviário especializado nas pontas com o transporte marítimo por cabotagem em relação ao transporte totalmente rodoviário, para essas cargas grandes e/ou pesadas. Esse comparativo vai mostrar além de custos, os prazos de entrega, os riscos comparativos entre o uso exclusivo rodoviário e o transporte intermodal, os desafios operacionais, os portos e terminais adequados para esses itens e os modos de contratação e operação da parte marítima e portuária, que são o grande desconhecido. [epico_capture_sc id=”21683″] Já podemos dizer que há um pequeno número de operadores capacitados para o transporte de cargas de projeto por cabotagem. São eles: a Companhia de Navegação Norsul, a Aliança Navegação e Logística, Log-In Logística e Tranship Transportes Marítimos com balsas oceânicas. Cada um na sua especialidade, a Norsul e Tranship são as operadoras com mais tempo de operação neste nicho. A Aliança fez um importante investimento em 2014 afretando o Aliança Energia para atuar especificamente com cargas de projeto. Assim como a navegação por cabotagem de cargas conteinerizadas, as embarcações brasileiras para cargas de projetos estão sujeitas aos custos elevados de combustível e tripulação, ficando apenas nesses dois itens que representam custos operacionais significativos. A operação portuária, na maioria das vezes contratada pelo próprio armador, na modalidade “liner in/liner out”, também pode ser contratada pelo embarcador ou recebedor, quando este deverá entender os riscos e custos para assumir essa parte do processo. A contratação de um navio, ou parte dele para uma carga de projeto, via de regra, é tratada como uma situação única, para aquela carga, origem e destino, condição de carga e descarga. Na condição mais usualmente contratada ou oferecida pelo armador, o “hook to hook” ou “liner in/liner out”, o transporte especial até o costado do navio no porto de embarque, o THC (Terminal Handling Charge ou capatazia) e armazenagem na origem bem como o transporte especial do costado, THC e armazenagem no terminal portuário de destino são contratados pelo cliente. O desafio é grande, para quem oferece o transporte e para quem contrata. Até tornar esse nicho rentável para um lado e contratável para o outro, talvez uma boa solução seja a ajuda mútua. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
Cabotagem e as trapalhadas do governo
Estamos de volta à cabotagem. Esperando que ela também retorne. Muito a contragosto, vamos escrever novamente sobre este importante modo de transporte para nós. Esperando que algum dia seja importante também para o país e para o governo, seja ele qual for. E que não se precise mais pedir por ele. A cabotagem, depois de submergir, juntamente com a navegação de longo curso e nossos estaleiros, voltou à superfície. Os mais vividos sabem que no final dos anos 70 nossa marinha mercante respondia por 30% do nosso comércio exterior. E que éramos o segundo maior produtor de navios do mundo. Como é normal aqui, perdemos tudo. A cabotagem vem tentando, há duas décadas, voltar a flutuar. Por ora, embora esteja indo razoavelmente bem, se debate demais para continuar flutuando. Claro está que, praticamente sozinha, com suas próprias forças. Com pouca ajuda do governo. E o governo tem muito a fazer para isso. Não estamos advogando subsídios, participação, nada que comprometa a iniciativa privada. É contra nosso princípio econômico, já conhecido, de absoluto liberal. Em que, para nós, Adam Smith e Roberto Campos eram estatizantes (sic). Queremos liberdade absoluta na economia. Em que o governo não produza absolutamente nada. Apenas funcione como uma mega agência reguladora. Colocando os pingos da concorrência nos “iiis” para funcionar. Privatizar o governo nem seria má ideia. Pararia de atrapalhar. Já escrevemos isso. O pior é que sabemos que está ocorrendo justamente o contrário. O governo vem se tornando cada vez mais intervencionista e onipresente. E a cada dia tira algo do empresariado, não permitindo sua evolução. Estamos constantemente lendo e ouvindo que o governo tem mantido a disputa entre a navegação de cabotagem e o transporte rodoviário em condições desiguais. Nada querendo fazer para equilibrar a disputa. Nem mesmo ter a consciência que a cabotagem é um dos “Ovos de Colombo” para melhoria do país através do transporte e da logística. Atividade esta que, fartamente se sabe ser extremamente ruim no país. Em que temos poucas estradas, inadequadas, com apenas 12% delas asfaltadas. Temos a pior ferrovia do mundo, com apenas 3,4 quilômetros para cada mil quilômetros quadrados de território. Imbatível. Nossos rios são utilizados em apenas 2%, e nossa quantidade de rios e água são imbatíveis. Matriz de transporte baseada no modo rodoviário. Que é o melhor meio de transporte que existe, mas não pode ser primordial. Tem que ser um elo da cadeia logística, fazendo a ligação e distribuição, e não cruzando o país com nossa carga. Tudo isso torna nossa matriz de transporte a pior da “Via Láctea”. O que queremos, pura e simplesmente, é condição igual para todos os modos. Que não é o que acontece. Segundo tudo que temos visto, lido e somos relatados, a cabotagem é tratada como se fosse uma navegação de longo curso, a utilizada no nosso comércio exterior. Com muitas exigências e documentos. Muito diferente do que ocorre com o transporte rodoviário. [epico_capture_sc id=”21683″] Medo das autoridades de que o navio se desgarre, fuja das nossas águas territoriais para o mundo? E o controle e acompanhamento do governo? E como entrariam em outro país? Ora, ora, as empresas são nacionais, aqui registradas. O preço dos combustíveis é outro sério problema. Bem mais alto do que aquele cobrado das empresas estrangeiras. E sem os subsídios concedidos ao combustível para o transporte rodoviário. Custo de construção de navio no Brasil é equivalente a no mínimo o dobro do preço internacional. Tudo isso elimina fortemente a concorrência e prejudica o transporte marítimo de cabotagem. Essa discriminação é descabida e inadmissível. Na questão da construção dos navios temos que equipará-los aos preços internacionais como advogamos há anos. Se no exterior o custo de construção de um navio porta-containers é de US$ 12.000 por TEU – twenty feet or equivalent unit (container de 20 pés ou equivalente), este deve ser o preço a se pagar no Brasil. Como fazer isso é simples, conforme nossos artigos do passado. A diferença deve ser coberta, a fundo perdido, pelo FMM – Fundo da Marinha Mercante, constituído com o AFRMM – Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante. Afinal, ele não é cobrado aos importadores para incentivo e aplicação na Marinha Mercante Brasileira? Pois que se o utilize dessa forma. Muitas outras idéias podem ser colocadas e depende da criatividade e vontade política de se olhar o Brasil com mais carinho, e sem donos. O fato é apenas um, temos que mudar nossa forma de olhar, tratar e usar nossos modos de transporte e de fazer logística. Pensar apenas no Brasil e nos brasileiros. Temos que acabar com esse negócio de governantes pensarem que o país é deles, e que “eles” o criaram, colonizaram e o povo é seu faz tudo sem direito a nada. Bem verdade que também temos a questão da tradição. Não é fácil para uma empresa mudar do rodoviário para a cabotagem. Mas, se as condições forem favoráveis, o frete for bom e o prazo também, não há por que não mudar. É pagar para ver.
Cabotagem: Mudanças Necessárias
Há 17 anos, num seminário na hoje maior feira de comércio exterior do país, fizemos uma intervenção. Dissemos que da maneira como “o barco era conduzido”, fatalmente desapareceríamos do transporte marítimo internacional. Que no futuro seríamos jogados para a cabotagem. É claro que essa colocação irritou os armadores. Mas, o que vemos, desde final da década de 90, é justamente isso. Com os armadores existentes no mundo hoje, vários com capacidade de realizar todo o comércio exterior brasileiro de container – de entrada e saída, do Oiapoque ao Chuí, de leste a oeste, unidades cheias e vazias – utilizando apenas metade da sua frota, devemos aproveitar esta vantagem internacional. Como se sabe, perdemos o bonde, ops, o navio da história. No final dos anos 70 nossa marinha mercante representava 30% da carga transportada. Éramos o segundo produtor de navios do mundo. Assim, devemos aproveitar o momento, em especial que nossa infra-estrutura é deplorável. E realizar, algumas mudanças fundamentais que poderão afetar positivamente nossa matriz de transporte. Para isso, sugerimos acabar com a hipocrisia e entender e assumir a situação de penúria da nossa marinha mercante. Que é pequena para nossas potencialidades. E o fato de que a cabotagem é também realizada por empresas estrangeiras. Estas como subsidiárias de grandes armadores estrangeiros. Já que nosso futuro na navegação – e não vemos de outra maneira – é a cabotagem, devemos transformá-la para melhorar nosso transporte, com reflexos na nossa logística e economia como um todo. Em primeiro lugar, uma abertura da navegação de cabotagem às empresas estrangeiras. Heresia, isso não ocorre em nenhuma parte do mundo dirão. Ora, o que importa? Em nenhum lugar do mundo também temos juros tão altos, impostos tão abusivos, baixa taxa de investimento, altíssimos lucros bancários, péssimos serviços públicos, etc., e aqui temos. Já que temos o transporte internacional feito em quase 100% por empresas estrangeiras, poderíamos aproveitar sua capacidade e competência. Usá-las, para mudar nosso transporte interno, com melhores processos logísticos. Significando redução de frete, entrega mais eficiente de mercadoria e tudo o mais que possa ser carregado com essa ação. Um armador estrangeiro já traz mercadoria do outro lado do mundo, por exemplo, para Vitória. E passa, posteriormente, por Santos, Itajaí, Rio Grande, etc. Por que não pegar carga em Santos e entregá-la em Rio Grande? Qual o ganho para a economia brasileira e para seus cidadãos? Pregamos o desaparecimento da nossa marinha mercante? Não, que ela quase não existe. Pregamos apenas a melhoria da sua competência, dentro do espírito de preservar o coletivo em detrimento do individual. Em que a sociedade ganhe. E todos conhecem a competência brasileira para competir. É só dar-lhe as condições adequadas. Isso quer dizer afastar o governo da economia. Ter carga tributária e juros decentes. E assim por diante. Sabemos que o problema brasileiro é o Estado, cada vez pior e mais intervencionista. E a cada dia tira algo do empresariado, não permitindo sua evolução. Também precisamos entender que, embora o comércio exterior seja de extrema importância, o brasileiro precisa ser priorizado. Em segundo lugar, é preciso equiparar os preços dos combustíveis vendidos às embarcações brasileiras àqueles vendidos aos navios estrangeiros, sem impostos. Essa discriminação é descabida e inadmissível. Principalmente por que, também, o diesel para o transporte rodoviário é subsidiado. Portanto, nossa aparente ideia de entrega, exarada acima, é muito mais compatível do que essa aplicada hoje contra os armadores nacionais. Uma terceira ideia a ser aplicada, e que sempre defendemos, é a equiparação dos preços de construção dos navios aos preços internacionais. Se no exterior o custo de construção de um navio porta-containers é de 12.000 dólares norte-americanos por TEU – twenty feet or equivalent unit (container de 20 pés ou equivalente), este deve ser o preço a se pagar no Brasil. Como fazer isso é simples. A diferença deve ser coberta, a fundo perdido, pelo FMM – Fundo da Marinha Mercante, constituído com o AFRMM – Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante. Afinal, ele não é cobrado aos importadores para incentivo e aplicação na Marinha Mercante Brasileira? Pois que se o utilize dessa forma, mais de meio século depois que foi criado. Muitas outras idéias podem ser colocadas, e depende da criatividade e vontade política de se olhar o Brasil com mais carinho, e sem donos.
Cabotagem: opção a considerar
Nunca como agora ficou tão evidente a necessidade de investimentos em infraestrutura logística. E não só em obras para facilitar o acesso de caminhões aos portos. É preciso também repensar a matriz de transporte brasileira, o que inclui a construção de uma rede de armazenagem para a produção agrícola no interior do País capaz de evitar que caminhões virem silos e as rodovias e vias de acesso aos portos se transformem em pátios de estacionamento. Sabe-se que há investimentos na rede ferroviária e que, a partir de 2015, com a conclusão das obras do Ferroanel, será possível encurtar distâncias. Por exemplo: a distância ferroviária entre a região de Campinas e o Porto de Santos, que hoje chega a 280 quilômetros, vai cair para 180 quilômetros, pois a concessionária deixará de ser obrigada a usar no trecho que corta São Paulo a mesma linha de trens urbanos, sem limites de horário. Tanto uma infraestrutura capaz de armazenar supersafras de soja, milho, açúcar e farelo como uma melhor distribuição de linhas férreas que transportem também contêineres e celulose podem tirar milhares de caminhões das rodovias. Mas não é só. Com mais de 9 mil quilômetros de costa, o País pode desenvolver também o seu sistema de cabotagem, estimulando o transporte de cargas entre os portos nacionais. Até porque o Brasil, ao contrário dos países do Hemisfério Norte, tem a vantagem de desfrutar de condições favoráveis de navegação durante todo o ano. [epico_capture_sc id=”21329″] Sem contar que a cabotagem apresenta, em média, um custo 20% mais barato do que o modal rodoviário, além de oferecer mais segurança a determinadas cargas que exigem a presença de escolta, o que encarece o frete. É óbvio que se existissem só vantagens grande parte das cargas já teria mudado para esse modal. Acontece que há obstáculos que impedem a cabotagem de se tornar competitiva, a começar pela pouca oferta de navios. Um dos maiores entraves é a burocracia aduaneira e portuária que, praticamente, dobra o tempo de entrega da carga. É verdade que a adoção do sistema Porto 24 Horas pela maioria dos complexos portuários do País pode ajudar a minorar o problema, mas, de antemão, já se sabe que a Receita Federal não dispõe de quadro de funcionários suficiente para atender a contento essa determinação. Aliás, o que se tem visto é a Receita diminuir a equipe que costumava atuar durante o dia para atender ao horário noturno. Dá-se o que popularmente é conhecido como “descobrir um santo para cobrir outro”. Além disso, a cabotagem está sujeita, praticamente, às regras e ao mesmo tratamento dado ao transporte de longo curso. Ora, se a carga é doméstica, foge à luz da razão que tenha de ser submetida a uma fiscalização mais rigorosa ou demorada. Para piorar, há ainda a questão do bunker, o combustível usado pelos navios. Incompreensivelmente, o bunker é mais barato para as embarcações de longo curso do que para os navios de cabotagem, já que aqueles estão isentos de impostos. Por tudo isso, a cabotagem, historicamente, tem-se mostrado um modal sucateado e pouco atraente. Se houve nos últimos tempos um despertar para a questão da infraestrutura portuária, está na hora de o governo dedicar à cabotagem a atenção que o modal merece.
Cabotagem, o paradigma da adaptação ao modal
Se for válida a afirmação que no transporte rodoviário o transportador se adapta às exigências do embarcador, o mesmo não pode ser dito do transporte conteinerizado de cabotagem. E por que isso? O transporte rodoviário tem a característica de maior flexibilidade e dinamismo. A concorrência se dá entre um grande número de transportadores. Já a cabotagem requer um maior planejamento. A frequência de suas escalas são, via de regra, semanais nos portos de escolha. Há uma série de processos a serem cumpridos, seja por parte do embarcador, seja do armador e do terminal portuário a fim de cumprir o embarque previsto. É fundamental que haja planejamento e disciplina no processo, pois isso dá maior confiabilidade ao modal e melhora a pontualidade das escalas. Os principais itens, no processo de cabotagem do embarcador, do armador ou ainda do terminal portuário são: Embarcador Pedido de cotação; Reserva de espaço no navio: previsão de disponibilidade do contêiner vazio; Liberação do contêiner vazio: sua disponibilidade e agilidade na liberação; Estufagem na fábrica/armazém; Documentos corretos: nota fiscal, destino, recebedor da carga; Transporte e entrega no porto – filas, greves, cumprimento de prazos para carga e documentos. [epico_capture_sc id=”21683″] Armador e terminal portuário Resposta da cotação e confirmação da reserva ou booking; Planejamento da operação: sequenciamento no pátio, plano de carga, prazos do terminal marítimo; Processo documental e legal: emissão CTe, Siscarga entre outros. Os benefícios do uso da Cabotagem são muitos, começando por economia, sustentabilidade energética, ambiental e social além da segurança e redução de perdas e avarias. Significa entrar numa nova rotina e trabalhar o estoque em trânsito considerando o tempo de viagem do navio incluído o tempo necessário para a carga chegar até o porto de embarque e ao cliente final após a descarga no porto de destino. O esforço vale a pena, principalmente nas longas distâncias em que, por força de legislação e custos, o transporte rodoviário se tornará mais oneroso e terá aumentados os prazos de entrega.
Um círculo vicioso na cabotagem
Para atingir o equilíbro no uso dos principais modais da matriz de transportes brasileira, tanto a cabotagem quanto o transporte por ferrovia precisam absorver volume expressivo da carga transportada pelo país. A cabotagem de produtos conteinerizados evoluiu sobremaneira ao longo das últimas duas décadas e apesar disso temos nada mais que quatro operadores atuantes. Com o modelo mais moderno de construção de navios em estaleiro brasileiro, substituindo navios afretados ou menores e antigos. Há também quem importou e nacionalizou sua frota e ainda quem recuperou navios pequenos e antigos para dar o início a sua operação. Há tributação maior sobre o combustível, em comparação à navegação de longo curso e pouca diferenciação em tarifas portuárias além de elevado custo e escassez de mão de obra embarcada. Tudo isso compõe o desafio do lado da oferta. O outro lado da moeda, são os custos crescentes de transporte rodoviário, seja por restrição legal, relação de oferta e demanda ou ainda elevação de custos inerentes ao modal. Estabelecer a competitividade pela métrica de um percentual abaixo do preço do transporte rodoviário tem sido a fórmula usada pela cabotagem e também pela ferrovia. É este o modelo que vai levar o modal para seu lugar na contribuição para uma matriz de transporte competitiva? Do lado da indústria, que contrata o transporte nem sempre esta conta vai incentivá-la a mudar sua logística. Ela está amparada pelo meio de transporte que funciona há muito tempo: o rodoviário. Neste sentido, eventos de frustração da execução do serviço no novo modal, levantam mais questionamentos se vale a pena mudar. [epico_capture_sc id=”21683″] O embarcador não muda porque as condições de preço, prazo e serviço não estão ideais e o armador não faz ajustes porque o modelo não está gerando o retorno que o acionista almeja. A mudança, no entanto, é inevitável pelo simples fato de que a infraestrutura de logística brasileira não dará conta de continuar predominantemente rodoviarista. O quanto de dor precisa causar ao longo deste caminho, vai indicar o tempo necessário para a mudança. A intermodalidade, ou seja, a parceria entre os modais rodoviário, ferroviário e de cabotagem parece ser um caminho para aproveitar melhor as competências de cada setor para melhor atender ao cliente. Dessa forma esse último pode confiar que seu produto chegue no local de destino no tempo e condição adequados, com economia de custos e, com isso passe a ser um promotor de uma logística mais sustentável.
E a cabotagem?
Aproveitando que despertou para a necessidade de que o País precisa se tornar mais competitivo e, portanto, necessita desatar o nó logístico que impede o seu crescimento, o governo federal deveria também colocar na ordem do dia a questão da cabotagem. Como se sabe, embora conte com uma costa navegável de 7.500 quilômetros de extensão e mais de 30 portos e vários terminais privativos, o Brasil não tem sabido explorar de maneira rentável esse meio de transporte. Basta ver que hoje esse modal representa apenas 9,6% da matriz brasileira de transporte, número que é extremamente modesto se comparado com os 37% movimentados pela União Europeia e os 48% transportados pela China, segundo dados do Instituto de logística e Supply Chain (Ilos), do Rio de Janeiro. É verdade que, em outros tempos, quando as ligações por rodovia e ferrovia eram bem precárias, a cabotagem, na medida do possível, constituía o meio mais utilizado para o transporte de carga geral e a granel. Mas isso se deu há um século, antes do desenvolvimento do modal rodoviário e da chegada das indústrias automobilísticas. É certo que o desenvolvimento de um modal não teria necessariamente de significar o estrangulamento de outro, mas a verdade é que foi isso o que ocorreu no Brasil, levando de roldão também o modal ferroviário, com o conseqüente sucateamento da malha que, bem ou mal, unia regiões importantes do País, especialmente no Sudeste. Hoje, irremediavelmente, em função da incúria de governantes passados, não há outro remédio a não ser tratar de convencer a iniciativa privada a investir nesses dois modais. No caso da cabotagem, seriam necessárias medidas para incentivar a recuperação desse modal que, antes de tudo, é o que menos polui, dado relevante numa época como a nossa que é marcada por uma consciência ambiental que nunca existiu em outros tempos. Sem contar que a cabotagem é também o modal que registra os menores índices quanto ao risco de roubo e avaria de cargas. É claro que a cabotagem não oferece só vantagens a quem a utiliza. Fosse assim, seria muito mais utilizada. Uma pesquisa do Ilos mostrou que, entre os pontos desfavoráveis desse meio de transporte, estão a concentração de volumes em embarques únicos, a oferta insuficiente de escalas dos navios, o risco de aumento de estoques, o maior tempo de viagem e uma burocracia semelhante à do comércio exterior. Para o governo, este último obstáculo seria o de maior facilidade de remoção, pois não é admissível que uma mercadoria que não saiu do País seja vista da mesma forma como aquela que vem de fora. Isso foge à luz da razão. Obviamente, para que outros obstáculos sejam superados, seria necessário adotar uma política que combatesse diretamente os problemas de infraestrutura do modal. Essa política deveria incluir uma série de incentivos a investimentos na capacidade produtiva, na compra de navios novos e na melhoria das instalações portuárias. Além disso, há um entrave há muito apontado pelos armadores que é o alto custo do bunker, combustível utilizado para movimentar as embarcações. Com razão, os armadores pedem um tratamento tributário de combustíveis igual ao dispensado aos navios de longo curso. É claro que há outros obstáculos, como a escassez de mão de obra qualificada. Mesmo assim, é de assinalar que houve um crescimento médio de 8% nos últimos anos da carga de cabotagem em contêineres, segundo o Ilos. E que essa expansão vem se dando pela intensificação da utilização do contêiner pela indústria, resultado também da melhoria nas instalações portuárias. Em outras palavras: a cabotagem só precisa de um empurrão para que volte a ser um modal em franco desenvolvimento e de futuro promissor.
O que é Cabotagem no Brasil?
A navegação de Cabotagem é aquela que ocorre no mar, na nossa costa marítima, bem como na de qualquer outro país, ligando apenas portos nacionais. Como exemplo, podemos citar um transporte que se inicia no Porto de Rio Grande, tendo como destino o Porto de Salvador. Uma navegação de Santos até o Porto de Manaus também é uma cabotagem, pois mesmo quando um rio ou um lago faz parte do percurso, a modalidade ainda é considerada Cabotagem. No Brasil, existe uma extensa costa marítima e grande parcela do mercado consumidor localiza-se a até 200 quilômetros da costa temos o privilégio de explorar a BR Marítima – termo cunhado pela Aliança Navegação e Logística – num meio de transporte que é o mais amigável ao meio ambiente pelo baixo teor comparativo de emissão de poluentes. Houve muitos progressos no uso e divulgação do transporte de Cabotagem ao longo dos últimos anos. Um marco desta história recente foi a aquisição da Aliança pelo grupo Oetker, também dono da Hamburg Sud, em 1998. A navegação de Cabotagem para cargas conteinerizadas teve neste marco o início do que conhecemos hoje como cabotagem para o transporte de carga geral de valor agregado. [epico_capture_sc id=”21683″] Passaram-se meros 14 anos desde o ressurgimento do transporte de cabotagem para cargas conteinerizadas. E, importante, apenas quatro operadores: Aliança Navegação e Logística, Log-In Logística, Mercosul Line e Maestra. A Aliança é a mais antiga, com fundação em 1950, seguida pela Log-in Logística que é sucessora da Docenave (subsidiária da Vale na época) e que abriu capital em 2007. A Mercosul Line é parte do grupo APMoller-Maersk e foi adquirida da P&O Nedlloyd em 2006 e, finalmente, a entrada em operação da Maestra Navegação e Logística em 2011 e parte do grupo Triunfo Participações e Investimentos. A Cabotagem no Brasil, assim como em diversos outros países, é um mercado caracterizado por barreiras regulatórias de entrada. Ainda assim, tem-se mostrado um desafio para estes operadores gerarem resultados adequados aos seus acionistas, por várias razões, sendo uma delas a estrutura de custos operacionais. Desde o custo do navio, da mão-de-obra embarcada, do combustível (bunker), custo de operação nos terminais marítimos, entre outros. Cada um destes armadores tem sua cobertura portuária nacional, alguns com parcerias operacionais onde o espaço do navio operado por um armador é vendido a outro. Nas suas rotas, muitos portos são coincidentes como Santos, Suape, Salvador e Manaus e outros com cobertura mais específica como Itajaí, São Francisco do Sul, Itapoá, Paranaguá, Itaguaí e Pecém. Resguardadas algumas limitações de cobertura, podemos dizer que em 2012 o transporte brasileiro de Cabotagem oferece quatro saídas por semana. E isto é um avanço importantíssimo para a logística nacional de longa distância.