André de Seixas | @comexblog
Este é um problema antigo e que causa grandes prejuízos a todos os brasileiros, pessoas físicas ou jurídicas, estejam envolvidas, ou não, com o comércio exterior.
Um breve histórico
Antes da implantação do SISCARGA (SISCOMEX CARGA), que veio com a entrada em vigor da INSTRUÇÃO NORMATIVA RFB Nº 800/2007, a falsificação de Bills of Lading era um ilícito mais difícil de ser praticado, portanto, ocorria com menor frequência.
Isso porque, antes, para se ter acesso ao número da CE-Mercante, o importador, inevitavelmente, tinha que apresentar ao transportador marítimo toda documentação necessária, incluindo o B/L original (a assinatura do agente e o carimbo do recolhimento do AFRMM – Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante – tinham que constar no verso do B/L original).
Ou seja, cometer este crime era mais complicado, porque os transportadores marítimos e agentes possuíam e possuem critérios técnicos para acusar uma eventual falsificação de B/L.
Depois da implantação do SISCARGA, os numero dos CE`s-Mercante master e/ou house passaram a ser expostos no SISTEMA MERCANTE e o importador passou a ter acesso ao numero da sua CE, sem ter que se dirigir aos transportadores marítimos ou agentes, facilitando a vida daqueles que cometem tal crime.
Como já foi amplamente divulgado, todo o processo de desembaraço aduaneiro (despacho para consumo) está informatizado. Nenhuma das etapas de pagamento de impostos, fretes, armazenagem e despesas portuárias precisam ser realizadas manualmente, tampouco necessita de apresentação de documentos.
Assim, atualmente, o importador registra a sua declaração de Importação, paga os impostos, taxas e tem a sua carga liberada via sistema. O momento de apresentação dos documentos, incluindo aí o B/L original, ocorre somente quando da retirada da carga do recinto alfandegado.
Aí surgem as dúvidas acerca de como ocorrem essas praticas criminosas. Bem, como foi dito acima, antes da implantação do SISCARGA o B/L falso tinha, necessariamente, que ser apresentado ao armador e agente, ou seja, a quem o emitiu. Depois da implantação do sistema, quem passa a avaliar se o B/L é original é o recinto alfandegado, que não tem a menor capacidade e subsídios técnicos para fazer a verificação se um B/L é falso ou verdadeiro.
Como se sabe, dada a enorme quantidade de empresas NVOCC`s (nom vessel operating commom carrier) estabelecidas mundo a fora, principalmente na República Popular da China, a situação piora ainda mais, sendo certo que um recinto alfandegado não tem a menor condição técnica da avaliação acerca da autenticidade do conhecimento.
Por exemplo: Já imaginaram os recintos brasileiros realizando a comparação de Bs/L de cada NVOCC que envia cargas ao Brasil? Com certeza seria impossível retirar cargas do porto sem prejuízos.
Quando o B/L é de um grande transportador marítimo de linha regular, ou de um grande NVOCC, pode ser que o trabalho fique mais fácil. Contudo, mesmo assim, o trabalho é bem complicado. Isso porque, o recinto terá que entrar em contato com o transportador para saber se um B/L é verdadeiro.
Por sua vez, o transportador deverá entrar com contato com o exportador para saber se ele entregou ao importador os originais. Isso demandaria bastante tempo e o recinto correria o risco de indenizar o importador pelos prejuízos decorrentes dessa demora, em uma eventual ação de perdas e danos, se suas suspeitas foram infundadas. É evidente que a dinâmica do transporte marítimo internacional não permite uma avaliação caso a caso nesses moldes.
Por que falsificam Bs/L ?
A resposta é simples. Porque conseguem retirar a mercadoria do recinto alfandegado sem pagá-las ao exportador.
Esses casos ocorrem quando os pagamentos aos exportadores não são feitos através de garantias bancárias, ou cartas de crédito. Pontualmente, verificam-se maiores ocorrências quando o pagamento das mercadorias ao exportador é feito via Cobrança Documentária, que é uma negociação feita na base da confiança do vendedor para o comprador.
Basicamente, nesta modalidade de pagamento, o exportador envia a mercadoria ao país de destino e entrega os documentos de embarque e a letra de câmbio (saque) ao banco negociador do câmbio no Brasil (banco remetente). O banco remetente os encaminha, por meio de carta-cobrança, ao seu banco correspondente no exterior (banco cobrador). O banco cobrador entrega os documentos ao importador, mediante recebimento do pagamento ou do aceite do saque. De posse dos documentos, o importador pode desembaraçar a mercadoria importada.
O ponto é justamente este: Enquanto os documentos originais (incluindo o B/L) estão no banco aguardando pagamento da quantia pactuada entre comprador e vendedor, a carga é retirada do recinto alfandegado com um B/L que não é o original.
O tempo passa e o exportador começa a se preocupar pelo fato de ainda não ter recebido a quantia da venda ou aceite do saque e pelo fato de o importador não ter retirado a documentação. Então, o exportador, através de seu representante no Brasil, do transportador ou NVOCC, ou de pessoa conhecida, solicita a averiguação do local para onde a carga foi destinada, onde, em tese, deveria estar armazenada. Quando vai fazer a confirmação, verifica que carga já saiu de lá, totalmente desembaraçada, há tempos.
A primeira atitude do exportador é procurar o transportador marítimo, ou NVOCC. Via de regra, eles acusam essas empresas de terem feito a emissão de uma segunda via de originais e de tê-las entregues ao importador para que liberassem as mercadorias. Aí começam os problemas para as empresas transportadoras e NVOCC`s.
Isso porque, as suas seguradoras (clubes de P&I), terão como primeira reação, diante da acusação de emissão de uma segunda via de originais, a retirada da cobertura do risco.
A emissão de segunda via e B/L é licita, para os casos de extravio (descaminho) da primeira via. Inclusive está prevista no Artigo 580 do Código Comercial Brasileiro:
“Art. 580 – Alegando-se extravio dos primeiros conhecimentos, o capitão não será obrigado a assinar segundos, sem que o carregador preste fiança à sua satisfação pelo valor da carga neles declarada.”
Os seguros dos transportadores e NVOCC`s, nos casos de descaminho com emissão da segunda via de original, pedem que a quantia da carga seja caucionada em espécie, ou em garantia bancária e que seja feita uma ocorrência policial, de forma a garantir a cobertura.
Quando pressionados, alguns importadores acabam pagando pelas mercadorias. Mas, geralmente em um valor bem menor do que o inicialmente pactuado. O próprio exportador acabam cedendo e aceitando uma quantia bem menor. Preferem receber no ato do que encarar um longa disputa judicial no Brasil.
Existem casos em que os exportadores conseguem fugir do golpe. Na mínima suspeita da ocorrência dessa pratica, eles solicitam ao transportador marítimo ou ao NVOCC o bloqueio do “frete armador”no SISCARCA e avisam ao recinto alfandegado sobre o risco.
Não é só o B/L que é falsificado. Todos os documentos enviados ao banco pelo exportador, que serão usados para instruir o desembaraço aduaneiro das mercadorias (Packing list e Commercial Invoice), também são objetos de falsificação.
Essa pratica criminosa realizada por uma minoria do comércio exterior brasileiro, além de colocar e expor as empresas transportadoras a um risco desnecessário; prejudica a concorrência, ao passo que quem não paga por um produto consegue revendê-lo com menor valor; acaba por prejudicar a imagem do nosso país; por prejudicar as futuras negociações de outros importadores idôneos e, conseqüentemente, onerando suas negociações.
Isso porque, uma empresa exportadora que foi lesada por um importador, dificilmente abrirá a mesma forma de pagamento para outros. Com efeito, as negociações necessitarão de maior garantia e as garantias bancárias e carta de crédito custam caro aos importadores e, por fim, como esses custos serão repassado aos produtos, todos nós pagaremos por isso.
Por estes e por outros motivos é que as providências necessárias devem ser tomadas por exportadores, transportadores e por todos nós operadores do comércio exterior. Em outras palavras, esse problema só terá solução prática e viável, quando o judiciário e as autoridades policiais forem envolvidas, de forma que os responsáveis paguem pelos seus crimes e indenizem os prejudicados.
Este é mais um exemplo de que, em nosso país, os ” inocentes pagam pelos pecadores “.